sexta-feira, 27 de fevereiro de 2009

Existe Luz no Fim do Túnel

Só fiquei sabendo disso hoje, mas antes tarde do que nunca.

No dia 17/02 a Folha de SP publicou um editorial no qual usa o termo "ditabranda" para classificar a ditadura brasileira.

No dia 19/02 saiu no painel do leitor uma carta do leitor Sérgio Pinheiro Lopes reclamando do termo, que teve a seguinte resposta: "Nota da Redação - Na comparação com outros regimes instalados na região no período, a ditadura brasileira apresentou níveis baixos de violência política e institucional."

No dia 20/02 saíram mais 5 cartas sobre o assunto, entre elas duas de petistas históricos (Maria Victória Benevides e Fábio Konder Comparato):

"Lamentável o uso da palavra "ditabranda" no editorial "Limites a Chávez" (Opinião, 17/2) e vergonhosa a Nota da Redação à manifestação do leitor Sérgio Pinheiro Lopes ("Painel do Leitor", ontem). Quer dizer que a violência política e institucional da ditadura brasileira foi em nível "comparativamente baixo'? Que palhaçada é essa? Quanto de violência é admissível? No grande "Julgamento em Nuremberg" (1961), o personagem de Spencer Tracy diz ao juiz nazista que alegava que não sabia que o horror havia atingido o nível que atingira: "Isso aconteceu quando você condenou à morte o primeiro homem que você sabia que era inocente". A Folha deveria ter vergonha em relativizar a violência. Será que não é por isso que ela se manifesta de forma cada vez maior nos estádios, nas universidades e nas ruas?"
MAURICIO CIDADE BROGGIATO (Rio Grande, RS)

"Inacreditável. A Redação da Folha inventou um ditadômetro, que mede o grau de violência de um período de exceção. Funciona assim: se o redator foi ou teve vítimas envolvidas, será ditadura; se o contrário, será ditabranda. Nos dois casos, todos nós seremos burros."
LUIZ SERENINI PRADO (Goiânia, GO)

"Com certeza o leitor Sérgio Pinheiro Lopes não entendeu o neologismo "ditabranda", pois se referia ao regime militar que não colocou ninguém no "paredón" nem sacrificou com pena de morte intelectuais, artistas e políticos, como fazem as verdadeiras ditaduras. Quando muito, foram exilados e prosperaram no estrangeiro, socorridos por companheiros de esquerda ou por seus próprios méritos. Tivemos uma ditadura à brasileira, com troca de presidentes, que não vergaram uniforme e colocaram terno e gravata, alçando o país a ser a oitava economia do mundo, onde a violência não existia na rua, ameaçando a todos, indistintamente, como hoje. Só sofreu quem cometeu crimes contra o regime e contra a pessoa humana, por provocação, roubo, sequestro e justiçamentos. O senhor Pinheiro deveria agradecer aos militares e civis que salvaram a nação da outra ditadura, que não seria a "ditabranda"."
PAULO MARCOS G. LUSTOZA , capitão-de-mar-e-guerra reformado (Rio de Janeiro, RJ)

"Mas o que é isso? Que infâmia é essa de chamar os anos terríveis da repressão de "ditabranda'? Quando se trata de violação de direitos humanos, a medida é uma só: a dignidade de cada um e de todos, sem comparar "importâncias" e estatísticas. Pelo mesmo critério do editorial da Folha, poderíamos dizer que a escravidão no Brasil foi "doce" se comparada com a de outros países, porque aqui a casa-grande estabelecia laços íntimos com a senzala -que horror!"
MARIA VICTORIA DE MESQUITA BENEVIDES , professora da Faculdade de Educação da USP (São Paulo, SP)

"O leitor Sérgio Pinheiro Lopes tem carradas de razão. O autor do vergonhoso editorial de 17 de fevereiro, bem como o diretor que o aprovou, deveriam ser condenados a ficar de joelhos em praça pública e pedir perdão ao povo brasileiro, cuja dignidade foi descaradamente enxovalhada. Podemos brincar com tudo, menos com o respeito devido à pessoa humana."
FÁBIO KONDER COMPARATO , professor universitário aposentado e advogado (São Paulo, SP)

Ao que a Folha responde:

"Nota da Redação - A Folha respeita a opinião de leitores que discordam da qualificação aplicada em editorial ao regime militar brasileiro e publica algumas dessas manifestações acima. Quanto aos professores Comparato e Benevides, figuras públicas que até hoje não expressaram repúdio a ditaduras de esquerda, como aquela ainda vigente em Cuba, sua "indignação" é obviamente cínica e mentirosa. "

Ou seja,

CRÉU!

quarta-feira, 18 de fevereiro de 2009

O trabalho do cientista...

Uma das coisas que mais me impressionou no mestrado foi a oportunidade de ter contato com a figura do 'acadêmico'... muitos afirmam com muita convicção que num centro ortodoxo como a PUC você deve se preparar para encontrar propaganda da direita e das políticas neoliberais em cada palavra do discurso; me surpreendi, contudo, com o trabalho do acadêmico como cientista, totalmente separado daquele do formulador de políticas públicas. Ainda que alguns vejam nisso mesmo ideologia, para mim não apenas não é o caso como, mais do que isso, é essa, no fundo, a real distinção entre ortodoxos e heterodoxos no Brasil... mas isso é tema para outro post.

Estou recuperando essa imagem porque o trabalho do cientista pode se dar de várias formas em Economia. As duas mais conhecidas remetem, de um lado, à construção de modelos formais que ilustram características essenciais de problemas complexos, muitas vezes para formular possíveis respostas a quebra-cabeças dados por fatos estilizados, e, de outro, ao esforço de reunir dados e abordar de maneira estatisticamente rigorosa evidências empíricas de maneira a refutar ou corrobar determinada proposição teórica que usualmente propõe mecanismo por detrás de fatos estilizados.

Pois bem, uma terceira forma, e para mim a mais difícil e genial, está em encontrar os próprios fatos estilizados. Muitas vezes, os dados estão disponíveis para qualquer um, mas somente uma mente brilhante é por vezes capaz de identificar padrões e sugerir sentido onde há aparente dados desordenados. Ainda em outros casos, identifica-se que um fato tido por estilizado na verdade não é suportado pelos dados disponíveis, sem que uma única regressão tenha sido rodada. Há pelo menos dois exemplos de economistas geniais que dedicam seu trabalho a esse tipo de atividade, ambos da universidade de Cambridge, UK: Gabriel Palma, e Ha-Joon Chang.

O segundo tem produzido relatos históricos impressionantes sobre os verdadeiros fatos estilizados das políticas industrial e comercial dos países desenvolvidos ao longo de sua trajetória de desenvolvimento. O primeiro tem trabalhado com estratégias de desenvolvimento e fundamentos das crises financeiras. Como em meu próximo post pretendo resumir o relato impressionante e diferente daquilo que tudo que já foi publicado até aqui sobre as origens da crise de 2008, de autoria de Palma, neste vou apenas dar o gostinho com um trabalho seu sobre estratégias de crescimento:


Vertical axis: percentage of exports in 1971 of products that had been ‘demand-dynamic’ in OECD imports between 1963 and 1971 (first observation); and in 2000 of those products that had been ‘dynamic’ between 1990 and 2000 (second observation; ‘dynamic’ products are simply these that increased their share in OECD imports during these periods).

Horizontal axis:
percentage of exports in which the respective region or country gained market shares in OECD imports (is ‘competitive’) between 1963 and 1971 (first observation), and between 1990 and 2000 (second observation).

Assim:
- Quadrante 1: ‘uncompetitive’ country / ‘non-demand-dynamic’ export-product;
- Quadrante 2: ‘competitive’ country / ‘non-demand-dynamic’ export-product;
- Quadrante 3: ‘competitive’ country / ‘demand-dynamic’ product;
- Quadrante 4: ‘uncompetitive’ country / ‘demand-dynamic’ product.

A partir de resultados econométricos, Palma discute que "the upward movement from quadrant ‘2’ to quadrant ‘3’ -- i.e., to be able to change one’s export bundle towards more demand dynamic products -- is the crucial one. However, it could be argued with reason that a strong rightward movement (from quadrant ‘1’ to ‘2’; i.e., to be able to increase market shares in current ‘non-dynamic’ exports) may well be some sort of prerequisite for the upward movement. In fact, first- and second-tier NICs were well into high-competitive levels in their ‘non-quality’ exports before starting their upward movements."

Ainda, complementa, "even if that were the case, obviously the key question is whether a strong rightward movement is a necessary as well as a sufficient condition for the upward movement from ‘2’ to ‘3’. From this perspective, the most crucial trade and industrial policy issue for DCs is whether there are ‘endogenous’ market forces in operation in quadrant ‘2’ that would lead DCs (at least once they have moved well into quadrant ‘2’ terrain) to increase their share of exports
consisting of products that had become ‘demand-dynamic’ in OECD imports (leading them to move from quadrant ‘2’ to ‘3’). Or whether market forces (of the static Ricardian comparative advantage type) would, at best, continue to lead them to become more and more ‘competitive’ in products that may well become more and more marginalised (in value terms) from world markets (due to low income elasticity of demand in the world market). In fact, especially in commodity markets, excessive ‘competitive’ struggle for market shares by DCs often lead to a selfdefeating fallacy of composition problem."

Com dados bastante simples, Palma veicula uma análise bastante sofisticada sobre estratégias de desenvolvimento. Exemplo de um bom trabalho de cientista, ainda que da vertente menos usual.

segunda-feira, 9 de fevereiro de 2009

Aproveitando para Vender

Desde o fundo do poço (~30 mil pontos no fim de outubro) o Ibovespa já subiu uns 40% (12 em 30). Pelo cenário que se concretizou nos últimos meses, a previsão do mercado no meio da crise era de catástrofe total.

Desde o fundo do poço (R$16,75 no fim de novembro) a PETR$ já subiu uns 64% (R$ 27,4 no fechamento de hoje). Se você acredita que o preço no mercado futuro tem alguma capacidade de previsão do preço futuro, parece que estão pegando demais pela ação. Olhando esse lindo gráfico do excel 2003, podemos ver o descolamento do preço da ação:


E como eu sei que vai surgir um monte de gente dizendo que o preço do petróleo só está nesse nível temporariamente, isso aqui vem sendo alardeado há dias... Então se o preço estiver temporariamente-alguma-coisa, ele está temporariamente ALTO.

Ps.: Clicando no gráfico ele aparece maior e mais nítido.

domingo, 1 de fevereiro de 2009

Aviso aos Concurseiros

Conforme já foi dito pelo Guilherme aqui (e depois repetido pela economist aqui), é possível que o mercado financeiro tenha, nos últimos anos, atraído através dos bônus vários profissionais brilhantes e competentes para realizar uma atividade que não era tão valiosa do ponto de vista social quanto parecia. Isso impediria que o potencial dessas pessoas fosse aproveitado em sua plenitude pela sociedade.

Eu respondi que achava que o mais provável, no Brasil, é que esse cenário tenha de fato acontecido, mas o setor da economia que o protagonizou foi o setor público. É muito comum ouvir pessoas dizendo que preferem prestar um concurso à ir para a iniciativa privada, onde os salários iniciais são bem menores e se trabalha muito mais.

O contra-argumento mais comum entre os defensores da carreira na iniciativa privada é a curva de salário ao longo da carreira, que compensaria o esforço extra. Mas no último mês eu ouvi pelo menos duas vezes um contra-argumento bem mais convincente.

Desde 2003 o governo do PT tem promovido uma política de valorização do funcionalismo público. Isso sigificou contratação maciça e aumentos de salário para níveis esquizofrênicos. Em números (reportagem de O Globo do dia 24/01) o salário inicial de auditor da receita federal e previdência teve aumento de 150% ($5 mil para $12,5 mil) e o final de 125% ($7,4 mil para $16,7). O salário inicial dos gestores (concurso cobiçado em Brasília) passou de $3,5 mil para $10,9 mil (211%), e o final passou de $6,9 mil para $14,5 mil (110%).

Usando o IPCA do período, que foi de 39%, avaliando tudo em reais de 2009, temos no caso do gestor um salário inicial em 2003 de $4,8 mil e um final de $9,7 mil.

O ponto é que é improvável que essa festa se sustente. Como exercício, vamos supor que entre um governo (começando o mandato este ano, para simplificar as contas) que se preocupe com contas públicas e decida cortar gastos correntes. Uma das medidas pode ser o congelamento dos salários do funcionalismo. O governo, no nosso exercício, é reeleito. E a inflação passa todo o tempo na meta que temos hoje, 4,5%. Ao fim do período, a inflação acumulada terá sido de 42%, o que deixa o salário inicial real do gestor em $7,6 mil, (reais de 2009) e o final em $10,2 mil (reais de 2009).

E aí parece que a carreira pública não é mais tão atrativa assim...