sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

Adiós!

Caros e escassos leitores,

o fim do mestrado se aproxima e vou acompanhar os companheiros que já o fizeram e me despedir do blog. Para mim, foi um ambiente de efervescência de ideias, democrático e intelectualmente desafiador.

Espero ter contribuído para que as discussões tenham sido nem tão superficiais que irrelevantes nem tão profundas que incompreensíveis. Além disso, espero ter validado um ponto que julgo fundamental: a divisão entre ortodoxos e heterodoxos, tão forte aqui no Brasil, na maioria das vezes é inútil. A linha divisória que realmente deveria importar é entre abordagem dogmática e não-guiada pelos dados, de um lado, e estruturada e pragmática, de outro. Se tentássemos classificar pesquisadores ou ideias em 4 quadrantes, segundo a combinação das duas esferas temáticas e das duas abordagens, certamente não haveria quadrante vazio.

Em breve espero estar contribuindo de forma mais substantiva para o esforço de promover as bases do desenvolvimento econômico, tema que quase sempre motivou minhas incursões por aqui.

Boa sorte aos que vão e aos que ficam!

quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010

A utilidade dos economistas

Um post de algum tempo atrás tratava de uma certa desilusão dos economistas com respeito à sua capacidade de transformar a realidade. Trato aqui de duas coisas: O que qualifica os economistas para contribuir para a formulação de políticas públicas? E ao tentar ser 'policy relevant', será que os economistas contemplam os stakeholders corretos?

Sobre a primeira pergunta, a resposta é inspirada pelo 'What Works in Development', do post anterior. Economistas possuem modelos elaborados de maximização de lucros e são capazes de derivar condições de primeira ordem - tão complexas quanto possíveis - do problema da firma. Ainda assim, duvido que algum economista acredite que faria melhor que o CEO que está sentado na cadeira de qualquer grande corporação. Então por que os economistas acham que podem fazer melhor que os políticos de Estados subdesenvolvidos ou que os indivíduos de países pobres? Que informação têm os economistas que aqueles não têm?

Note: se o problema é de accountability, uma vez que, diferente dos CEOs - com relação aos quais um contrato de incentivos mais poderosos pode ser desenhado para mitigar moral hazard -, políticos podem perseguir interesses substancialmente diferentes daqueles dos 'acionistas' do Estado, a recomendação de política é outra. Qual seja, a de tornar mais eficazes os mecanismos de checks and balances capazes de limitar a apropriação do aparelho do Estado para fins de rent seeking.

Essa pergunta é bem mais difícil de responder do que parece à primeira vista. Economistas em geral não compreendem todas as restrições a que estão sujeitos os formuladores de políticas públicas. No que diz respeito aos indivíduos, através dos inúmeros estudos que caracterizam comportamento não-maximizador (identificando, por exemplo, taxa de desconto hiperbólica para explicar porque mesmo os pais não-restritos por renda não matriculam seus filhos na escola ainda que o valor presente de fazê-lo supere seu salário de mercado), o que os economistas pretendem sugerir? Se o modelo mental de realidade dos indivíduos é diferente daquele dos economistas, o que é maximizador de bem-estar?

Finalmente, sobre 'policy relevance', é pervasiva na profissão a ausência de modelos positivos - em oposição a normativos - de oferta de bens públicos. Por exemplo, qual a motivação para a provisão pública de educação? Modelos de 'Normative as Positive' (NAP daqui por diante, Pritchett, 2009) diriam que o Governo provê educação porque esta envolve externalidades positivas. Mas isso não explica porque o Estado não o faz por meio de vouchers ou subsídios à provisão privada, mas oferta ensino diretamente na maioria dos países do mundo. Se, ainda conforme Pritchett, o objetivo do ensino público é transmissão de ideologia, ainda que esse ensino seja menos eficiente na utilização de insumos, mais lento na adoção de inovações, etc., então as recomendações de política advindos de regressões que testam a eficiência de diferentes insumos numa função de produção educacional são simplesmente 'policy irrelevant'. Nesse caso, a recomendação maximizadora de bem-estar seria, segundo o autor, alertar os indivíduos - os stakeholders relevantes, nesse caso - sobre a superioridade da oferta privada vis a vis oferta pública de ensino; em outras palavras, uma política de transformação de governança.

Em linha com o que argumenta Ben Olken, no entanto, não é claro por que essa informação já não estaria disponível para os eleitores. Ainda assim, ensino público continua a ser a regra, ao invés da exceção, e muitas vezes correspondendo a 100% da oferta de educação em alguns níveis, na maior parte das economias.

O que eu acho disso tudo? Que os economistas tem um papel a cumprir, em especial em colaboração com os stakeholders relevantes, na formulação de políticas públicas. Esse papel, no entanto, é bem mais limitado do que imaginam, sobretudo na ausência de um modelo positivo de provisão de bens públicos. Em particular, economistas deveriam se perguntar mais vezes o que eles sabem que os atores relevantes desconhecem. Como argumenta David Weil, é improvável que os pobres façam mau uso sistemático da informação disponível num ambiente de competição pela sobrevivência que caracteriza uma economia subdesenvolvida.

Referência:
PRITCHETT, Lance (2009) "The policy irrelevance of the economics of education: is 'normative as positive' just useless, or worse?" in 'What works in development?' eds. Jessica Cohen e William Easterly. Brookings Institute Press.

sábado, 6 de fevereiro de 2010

A ciência "hard" das randomized evaluations


Estou lendo o novo livro organizado por Jessica Cohen e William Easterly - What works in development: thinking big and thinking small. Recomendo. Cada capítulo mereceria um tratamento detalhado aqui, desde a teoria de oferta de educação pública de Lant Prichett, que acusa os resultados provenientes de randomized evaluations de 'policy irrelevant', até os comentários de David Weil e Paul Romer ao capítulo de Kremer e Holla acerca da estranha convicção dos economistas sobre sua capacidade de governar melhor que os policy makers.

Meu comentário hoje é mais geral, sobre o debate levantado por Dani Rodrik no que diz respeito à suposta superioridade das evidências provenientes de randomized evaluations vis a vis aquelas advindas de regressões que utilizam dados não-experimentais.

O fundamento desse argumento é que experimentos desenhados de maneira a garantir a adoção aleatória de um programa (ou ao menos afetar positivamente a probabilidade de adoção, de maneira a garantir a identificação de um efeito local - a partir da resposta dos ditos 'compliers') não sofrem do problema de validade interna, isto é, de identificação causal do efeito de interesse - ausência de 'counfounding effects' -, que são pervasivos em análises econométricas que utilizam dados não-experimentais.

Tomemos um exemplo: podemos estar interessados em qual a melhor maneira de prover um bem semi-público cujo consumo desejamos maximizar (digamos, porque seu consumo gera externalidades positivas; exemplos são insumos ligados a educação ou saúde) - de forma gratuita ou a um preço positivo (ou ainda, a um preço negativo, de forma subsidiada)? Não é claro ex-ante qual seria a melhor forma de fazê-lo porque (1) de um lado, em não se tratando de bens de Giffen, sua quantidade demandada deveria diminuir com o preço, mas (2) de outro lado, é possível que preço positivo ajude a selecionar os usuários que mais precisam desse bem ou que possuem maior retorno no seu uso, evitando que o bem seja utilizado para outros fins (e.g.: redes anti-mosquito para prevença de malária utilizadas para pesca) e ainda, há alguma evidência de 'sunk-cost fallacy', isto é, de que os indivíduos valorizam mais bens pelos quais despendem recursos, o que poderia aumentar sua utilização.

Há várias maneiras de tentar responder à pergunta de interesse, mas vamos nos restringir a duas delas. Primeiro, regredir as taxas de utilização desse bem em vários países e em vários pontos no tempo incluindo como regressores seu preço médio além de vários controles que podem estar correlacionados com o preço e com a demanda pelo bem em questão. Esse tipo de evidência em geral encontra dificuldade em convencer o leitor treinado de que identifica um efeito causal: todos os regressores relevantes foram incluídos? A quantidade demandada também não afeta preço? A especificação estimada é a verdadeira, ou suficentemente flexível? Em termos gerais, o pesquisador gostaria de explorar uma variação exógena no preço a que esse bem é ofertado de modo a estimar seu efeito causal sobre a quantidade demandada. A dificuldade em convencer a audiência sobre a validade do instrumento é, no entanto, um desafio enorme e, em última instância, uma questão de retórica.

Alternativamente, suponha que seja possível desenhar um experimento que determinasse que o bem fosse ofertado a preços distintos (incluindo zero), randomizado no nível individual, de modo que seja possível eliminar a preocupação com 'counfounding effects'. O pesquisador pode argumentar com mais segurança que identifica um efeito causal de preço sobre quantidade. Mas como garantir que esse resultado não é específico daquele desenho de experimento, daquela região, daquele momento no tempo? Esse é o problema de validade externa, isto é, de generalização dos resultados experimentais para outros contextos.

O ponto interessante do argumento de Rodrik é que o discurso dos pesquisadores para convencer sua audiência de que os efeitos identificados não se restringem às especificidades do contexto do experimento em análise não é menos questão de retórica do que a justificativa da validade do instrumento no caso de regressões que utilizam dados não-experimentais.

Poderia discutir muitas ressalvas feitas a este ponto. Por exemplo, Sendhil Mullanaithan argumenta que não é menos difícil generalizar de maneira top-down do que de maneira bottom-up; em outras palavras, o primeiro método também sofre do problema de validade externa. De todo modo, acredito que seja um balde de água fria na visão de que randomized evaluations sejam o novo 'padrão ouro' da caixa de ferramentas dos economistas.

Não há posição privilegiada de nenhum método para alcançar uma suposta verdade, tudo em última instância é uma questão de discurso. Uma outra dimensão é aquela de 'policy relevance,' à qual retorno no próximo post.