sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

Adiós!

Caros e escassos leitores,

o fim do mestrado se aproxima e vou acompanhar os companheiros que já o fizeram e me despedir do blog. Para mim, foi um ambiente de efervescência de ideias, democrático e intelectualmente desafiador.

Espero ter contribuído para que as discussões tenham sido nem tão superficiais que irrelevantes nem tão profundas que incompreensíveis. Além disso, espero ter validado um ponto que julgo fundamental: a divisão entre ortodoxos e heterodoxos, tão forte aqui no Brasil, na maioria das vezes é inútil. A linha divisória que realmente deveria importar é entre abordagem dogmática e não-guiada pelos dados, de um lado, e estruturada e pragmática, de outro. Se tentássemos classificar pesquisadores ou ideias em 4 quadrantes, segundo a combinação das duas esferas temáticas e das duas abordagens, certamente não haveria quadrante vazio.

Em breve espero estar contribuindo de forma mais substantiva para o esforço de promover as bases do desenvolvimento econômico, tema que quase sempre motivou minhas incursões por aqui.

Boa sorte aos que vão e aos que ficam!

quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010

A utilidade dos economistas

Um post de algum tempo atrás tratava de uma certa desilusão dos economistas com respeito à sua capacidade de transformar a realidade. Trato aqui de duas coisas: O que qualifica os economistas para contribuir para a formulação de políticas públicas? E ao tentar ser 'policy relevant', será que os economistas contemplam os stakeholders corretos?

Sobre a primeira pergunta, a resposta é inspirada pelo 'What Works in Development', do post anterior. Economistas possuem modelos elaborados de maximização de lucros e são capazes de derivar condições de primeira ordem - tão complexas quanto possíveis - do problema da firma. Ainda assim, duvido que algum economista acredite que faria melhor que o CEO que está sentado na cadeira de qualquer grande corporação. Então por que os economistas acham que podem fazer melhor que os políticos de Estados subdesenvolvidos ou que os indivíduos de países pobres? Que informação têm os economistas que aqueles não têm?

Note: se o problema é de accountability, uma vez que, diferente dos CEOs - com relação aos quais um contrato de incentivos mais poderosos pode ser desenhado para mitigar moral hazard -, políticos podem perseguir interesses substancialmente diferentes daqueles dos 'acionistas' do Estado, a recomendação de política é outra. Qual seja, a de tornar mais eficazes os mecanismos de checks and balances capazes de limitar a apropriação do aparelho do Estado para fins de rent seeking.

Essa pergunta é bem mais difícil de responder do que parece à primeira vista. Economistas em geral não compreendem todas as restrições a que estão sujeitos os formuladores de políticas públicas. No que diz respeito aos indivíduos, através dos inúmeros estudos que caracterizam comportamento não-maximizador (identificando, por exemplo, taxa de desconto hiperbólica para explicar porque mesmo os pais não-restritos por renda não matriculam seus filhos na escola ainda que o valor presente de fazê-lo supere seu salário de mercado), o que os economistas pretendem sugerir? Se o modelo mental de realidade dos indivíduos é diferente daquele dos economistas, o que é maximizador de bem-estar?

Finalmente, sobre 'policy relevance', é pervasiva na profissão a ausência de modelos positivos - em oposição a normativos - de oferta de bens públicos. Por exemplo, qual a motivação para a provisão pública de educação? Modelos de 'Normative as Positive' (NAP daqui por diante, Pritchett, 2009) diriam que o Governo provê educação porque esta envolve externalidades positivas. Mas isso não explica porque o Estado não o faz por meio de vouchers ou subsídios à provisão privada, mas oferta ensino diretamente na maioria dos países do mundo. Se, ainda conforme Pritchett, o objetivo do ensino público é transmissão de ideologia, ainda que esse ensino seja menos eficiente na utilização de insumos, mais lento na adoção de inovações, etc., então as recomendações de política advindos de regressões que testam a eficiência de diferentes insumos numa função de produção educacional são simplesmente 'policy irrelevant'. Nesse caso, a recomendação maximizadora de bem-estar seria, segundo o autor, alertar os indivíduos - os stakeholders relevantes, nesse caso - sobre a superioridade da oferta privada vis a vis oferta pública de ensino; em outras palavras, uma política de transformação de governança.

Em linha com o que argumenta Ben Olken, no entanto, não é claro por que essa informação já não estaria disponível para os eleitores. Ainda assim, ensino público continua a ser a regra, ao invés da exceção, e muitas vezes correspondendo a 100% da oferta de educação em alguns níveis, na maior parte das economias.

O que eu acho disso tudo? Que os economistas tem um papel a cumprir, em especial em colaboração com os stakeholders relevantes, na formulação de políticas públicas. Esse papel, no entanto, é bem mais limitado do que imaginam, sobretudo na ausência de um modelo positivo de provisão de bens públicos. Em particular, economistas deveriam se perguntar mais vezes o que eles sabem que os atores relevantes desconhecem. Como argumenta David Weil, é improvável que os pobres façam mau uso sistemático da informação disponível num ambiente de competição pela sobrevivência que caracteriza uma economia subdesenvolvida.

Referência:
PRITCHETT, Lance (2009) "The policy irrelevance of the economics of education: is 'normative as positive' just useless, or worse?" in 'What works in development?' eds. Jessica Cohen e William Easterly. Brookings Institute Press.

sábado, 6 de fevereiro de 2010

A ciência "hard" das randomized evaluations


Estou lendo o novo livro organizado por Jessica Cohen e William Easterly - What works in development: thinking big and thinking small. Recomendo. Cada capítulo mereceria um tratamento detalhado aqui, desde a teoria de oferta de educação pública de Lant Prichett, que acusa os resultados provenientes de randomized evaluations de 'policy irrelevant', até os comentários de David Weil e Paul Romer ao capítulo de Kremer e Holla acerca da estranha convicção dos economistas sobre sua capacidade de governar melhor que os policy makers.

Meu comentário hoje é mais geral, sobre o debate levantado por Dani Rodrik no que diz respeito à suposta superioridade das evidências provenientes de randomized evaluations vis a vis aquelas advindas de regressões que utilizam dados não-experimentais.

O fundamento desse argumento é que experimentos desenhados de maneira a garantir a adoção aleatória de um programa (ou ao menos afetar positivamente a probabilidade de adoção, de maneira a garantir a identificação de um efeito local - a partir da resposta dos ditos 'compliers') não sofrem do problema de validade interna, isto é, de identificação causal do efeito de interesse - ausência de 'counfounding effects' -, que são pervasivos em análises econométricas que utilizam dados não-experimentais.

Tomemos um exemplo: podemos estar interessados em qual a melhor maneira de prover um bem semi-público cujo consumo desejamos maximizar (digamos, porque seu consumo gera externalidades positivas; exemplos são insumos ligados a educação ou saúde) - de forma gratuita ou a um preço positivo (ou ainda, a um preço negativo, de forma subsidiada)? Não é claro ex-ante qual seria a melhor forma de fazê-lo porque (1) de um lado, em não se tratando de bens de Giffen, sua quantidade demandada deveria diminuir com o preço, mas (2) de outro lado, é possível que preço positivo ajude a selecionar os usuários que mais precisam desse bem ou que possuem maior retorno no seu uso, evitando que o bem seja utilizado para outros fins (e.g.: redes anti-mosquito para prevença de malária utilizadas para pesca) e ainda, há alguma evidência de 'sunk-cost fallacy', isto é, de que os indivíduos valorizam mais bens pelos quais despendem recursos, o que poderia aumentar sua utilização.

Há várias maneiras de tentar responder à pergunta de interesse, mas vamos nos restringir a duas delas. Primeiro, regredir as taxas de utilização desse bem em vários países e em vários pontos no tempo incluindo como regressores seu preço médio além de vários controles que podem estar correlacionados com o preço e com a demanda pelo bem em questão. Esse tipo de evidência em geral encontra dificuldade em convencer o leitor treinado de que identifica um efeito causal: todos os regressores relevantes foram incluídos? A quantidade demandada também não afeta preço? A especificação estimada é a verdadeira, ou suficentemente flexível? Em termos gerais, o pesquisador gostaria de explorar uma variação exógena no preço a que esse bem é ofertado de modo a estimar seu efeito causal sobre a quantidade demandada. A dificuldade em convencer a audiência sobre a validade do instrumento é, no entanto, um desafio enorme e, em última instância, uma questão de retórica.

Alternativamente, suponha que seja possível desenhar um experimento que determinasse que o bem fosse ofertado a preços distintos (incluindo zero), randomizado no nível individual, de modo que seja possível eliminar a preocupação com 'counfounding effects'. O pesquisador pode argumentar com mais segurança que identifica um efeito causal de preço sobre quantidade. Mas como garantir que esse resultado não é específico daquele desenho de experimento, daquela região, daquele momento no tempo? Esse é o problema de validade externa, isto é, de generalização dos resultados experimentais para outros contextos.

O ponto interessante do argumento de Rodrik é que o discurso dos pesquisadores para convencer sua audiência de que os efeitos identificados não se restringem às especificidades do contexto do experimento em análise não é menos questão de retórica do que a justificativa da validade do instrumento no caso de regressões que utilizam dados não-experimentais.

Poderia discutir muitas ressalvas feitas a este ponto. Por exemplo, Sendhil Mullanaithan argumenta que não é menos difícil generalizar de maneira top-down do que de maneira bottom-up; em outras palavras, o primeiro método também sofre do problema de validade externa. De todo modo, acredito que seja um balde de água fria na visão de que randomized evaluations sejam o novo 'padrão ouro' da caixa de ferramentas dos economistas.

Não há posição privilegiada de nenhum método para alcançar uma suposta verdade, tudo em última instância é uma questão de discurso. Uma outra dimensão é aquela de 'policy relevance,' à qual retorno no próximo post.

domingo, 31 de janeiro de 2010

Último Post

Companheiros e Companheiras,

Felizmente minha vida de estudante está chegando ao fim. Eu sempre esperei gerar valor pra sociedade o suficiente para entregar de volta o investimento feito em mim. Nunca como caridade, sempre trabalhando sério.

Infelizmente, existe uma externalidade negativa para mim, que é a falta de tempo para dedicar ao blog. Agradeço mesmo aos comentaristas, mesmo que muitas vezes o tom da discussão fosse mais agressivo do que eu gostaria. Mas acho que isso acaba sendo um problema da internet em geral, e não só do Espectro.

Pretendo continuar comentando, e, eventualmente, contribuindo com posts convidados.

O Fim da TV Aberta

Assim como jornais e revistas (discutido aqui), os canais de TV aberta americanos estão com dificuldade de manter as receitas. Veja mudanças de horário no prime time e cancelamento de séries com alto custo de produção. No Brasil os jornais e revistas parecem estãao indo bem, obrigado, mas o mesmo não poderia ser dito sobre a TV. Ou pelo menos sobre a Globo e o SBT (ou seja, sobre os canais que não contam com fonte de renda divina).

Hoje eu vi um sintoma claro da dificuldade. Alguém no twitter alertou para o programa "Domingo Legal" de hoje, que teve como uma das atrações O Maior Trapézio de Curitiba. Esse sujeito é uma das celebridades do Youtube brasileiro. A participação dele no programa foi num quadro onde várias sub-celebridades participam de uma brincadeira concorrendo a um microsystem. Entre as provas, merchandising e bandas de pagode tocando.

Agora vejam a situação. A pauta do programa saiu da internet. A receita do intervalo comercial não são suficientes, o que traz o merchandising. Mas nem isso é suficente, porque a participação dos pagodeiros (foram 3 ou 4 bandas em 30 minutos) só pode ser explicada pelo pagamento de Jabá pelas gravadoras.

Projetando esse quadro para o futuro: o maior acesso a internet vai tornar desinteressante pautas requentadas como essa, a receita de propagandas vai continuar diminuindo (se seguirmos a tendência mundial), e o dinheiro nas gravadoras anda cada vez mais curto (discutido aqui).

quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

Línguas

É muito comum ouvir pessoas reclamando que o ensino de português no Brasil é muito técnico, preocupado excessivamente com gramática, enquanto o ideal seria uma abordagem mais "americana", focada na capacidade de interpretar textos e escrever bem. Eu concordo com a crítica, mas acho que existe um fator estrutural que dificulta a mudança: o português é uma língua complicada.

Não sou eu que estou inventando que nossa línga é complicada. A quantidade de tempos e modos verbais aliada a flexões de número, gênero e grau é que servem de métrica para a afirmação. Nessa métrica, inglês e chinês, por exemplo são línguas simples (apesar de todas as dificuldades gráficas e fonéticas da segunda).

Curiosamente, sociedades mais atrasadas tendem a apresentar línguas altamente complexas. Exemplos abundam nas tribos africanas e sul-americanas. Um estudo recente, resenhado na economist, tenta encontrar padrões para tal regularidade. Eles concluem basicamente que línguas que passam por processos de expansão (durante o qual é aprendida por muitos adultos) acabam por se simplificar.

Um adulto tem mais facilidade de identificar o tempo que se passa a ação só pela presença de um advérbio, dispensando a flexão do verbo. Essas situações de "superespecificação" são o que dá trabalho para ensinar na escola. Um americano não precisa saber o que é sujeito e o que é objeto, mas um francês precisa, porque o pronome relativo é "qui" num caso e "que" no outro. Um brasileiro precisa aprender a conjugar um verbo em 6 tempos e 3 modos. Aí fica difícil focar na interpretação...

segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

Remuneração no setor financeiro

Coluna de Steven Kaplan no Valor de 25/01 analisa a hipótese de que a estrutura de remuneração nas instituições financeiras tenha sido determinante do comportamento de risco que culminou na crise de 2008.

Para tanto, destrincha os resultados de artigo recente de Fahlenbrach e Stulz, que utilizando dados de cerca de 100 instituições financeiras, entre 2006 e 2008, testa a referida hipótese a partir de três desdobramentos: (1) se parcela expressiva dos vencimentos de altos executivos não era contingente aos resultados de longo-prazo das firmas; (2) se esses executivos possuíam volume insuficiente de ações e opções de compra de ações da própria firma; e (3) se as instituições cujos executivos eram caracterizados por mais remuneração de curto-prazo e menos ações do banco tiveram pior performance na crise.

O objetivo desse post não é analisar as técnicas utilizadas pelos autores, tampouco os resultados encontrados, mas apenas afirmar: testar (3) não é informativo para avaliar a hipótese de que a estrutura de remuneração no setor financeiro tenha sido determinante para a crise.

Isso pode soar um pouco chocante, dado que (1) e (2) podem ser respondidas de modo meramente descritivo (o que de fato é feito pelos autores, que argumentam no sentido de que apenas a menor parte da remuneração dos CEOs consistia de pagamento em dinheiro, enquanto o montante em opções e ações da firma era em média 24 vezes maior). É justamente (3) que exige um exercício econométrico, tão sofistificado quanto necessário para tentar separar possíveis tendências diferentes de firmas que possuíam diferentes estruturas de remuneração do efeito causal dessa estrutura de incentivos sobre desempenho.

Não importa quão sofisticadas - e quão caras aos colegas economistas - sejam as técnicas econométricas dos autores, elas são simplesmente inúteis para testar a hipótese de interesse. E isso se deve a um fato muito simples: a ausência de contrafactual adequado, na presença de complementariedade estratégica.

Complementariedade estratégica - diferente de externalidade, quando a ação de um agente afeta a utilidade dos demais - ocorre quando as ações de um indivíduo afetam o ranking de escolhas dos demais. Diante disso, ainda que, isoladamente, minha estrutura de remuneração não induza um comportamento diferente daquilo que seria maximizador para o banco, uma vez que todos os demais bancos estejam posicionados para obter retornos excepcionais de curto-prazo, posso adotar comportamento similar por uma série de razões: (i) porque a minha remuneração, ao menos em parte, depende do diferencial do desempenho da instituição financeira em relação à média do setor - um expediente contratual comum na presença de relação agente-principal como é a de shareholders-CEO -; (ii) porque eu tenho carreer concerns, e a perda de reputação relativa em relação aos demais CEOs pode ser bastante custosa; (iii) por pressão dos próprios acionistas ou da Diretoria, que observam desempenho superior - ainda que de curto-prazo - das demais instituições financeiras em condições bastante similares.

Em termos econométricos, isso significa que o resultado de cada firma depende explicitamente da estrutura de remuneração dela mesma e de todas as demais. Trata-se na verdade de um sistema de equações simultâneas; o coeficiente estimado pelos autores será inconsistente, e é pouco claro que o viés tenha direção bem-definida, que seja informativo de alguma maneira.

Para estimar consistentemente o efeito da própria estrutura de remuneração no desempenho - analogamente a um sistema de eqs. de preços e quantidades -, seria necessário um instrumento que produzisse variação exógena na estrutura de pagamentos dos demais. Mas estamos nos perdendo! Não é essa a hipótese de interesse! Estamos interessados em saber se a estrutura de remuneração foi determinante da crise, e essa pergunta é diferente daquela que um sistema de eqs. com variáveis instrumentais é capaz de responder - afinal, gostaríamos de investigar resultados sistêmicos.

Para que fosse possível testar essa hipótese, o contrafactual adequado, nessa situação, seria a ausência de uma estrutura de remuneração que (supostamente) induz incentivos perversos para todas as firmas no setor. Esse exercício, infelizmente, não é factível, a menos de uma mudança institucional como a que pode surgir no Governo Obama. Se a medida seria efetivamente positiva, é difícil dizer. Mas, para os avaliadores de impacto de plantão, teríamos aí um bom experimento.

O bode e o imposto sobre riqueza

Lula entre outras inúmeras habilidades políticas é mestre na arte de colocar o bode na sala para depois de retirá-lo para fazer parecer que o ambiente ficou bom. O novo programa de Direitos Humanos parece mais uma aplicação magistral dessa técnica.

Vamos partir do controverso pressuposto de que esse plano é sério e que se pretende legislá-lo, ao invés de aderirmos à interpretação de que se trata de um outro estratagema lulista para atrair os extremistas do partido. Se o plano é sério, o bode na sala é revisão da anistia política. Esse parece que vai mesmos ser retirado, no entanto, o que resta não cheira nada bem.

O programa tem alguns pontos positivos, como a regularização da união civil homossexual e outros negativos, mas em geral muito se distancia da Declaração Universal dos Direitos do Homem.

Um dos pontos negativos do programa é o imposto sobre riqueza. Não que eu seja contra redistribuir a renda, muito pelo contrário, mas essa não é a forma correta de fazê-lo. Imposto sobre riqueza distorce incentivos à poupança, favorece projetos imediatistas, cria incentivos a fraude e, em última instância, incentiva a migração dessas fortunas.

Mais detalhes sobre esses efeitos podem ser encontrados em "The Impact of Taxation and Valuation Practices on the Timing and Efficiency of Land Use" JPE(1979).

Se o que o Lula quer é poder dizer que reduziu a desigualdade no Brasil, ele não precisa disso. Qualquer um que olhe os dados e analise o impacto do bolsa família percebe isso. Se o que ele quer é agradar os extremistas para ajudar sua sucessora, corre o risco de deixar um legado bem fedorento.

Pirataria

Saiu um estudo interessante sobre o futuro da indústria da música (pdf aqui). O texto apresenta vários dados sobre a migração da mídia sólida para os arquivos em mp3. O único país onde a migração tem gerado resultados líquidos positivos para as grandes gravadoras até agora é a Austrália. Os piores? Brasil, Espanha e França (latinos, alguém?).

Nesses países a quantidade de downloads ilegais é muito maior do que no resto do mundo. Na Espanha, por exemplo, mais de 30% dos usuários de internet baixam música ilegalmente. Isso é mais do que o dobro da média européia. Mas mesmo em países onde a pirataria é "moderada", o ganho de receita com vendas virtuais tem sido insuficiente para cobrir a diminuição de receita vinda de vendas físicas. Nem mesmo a participação na receita de turnês é capaz de inverter a tendência de queda de faturamento e lucro.

O estudo aponta isso como causa de uma queda brutal nas novas bandas lançadas pelas grandes gravadoras. Nos últimos anos no Brasil, por exemplo, caímos de quase 700 novos discos de artistas nacionais para menos de 100. Quedas na França e na Espanha também foram acentuadas. Não sei quanto disso era porcaria fomentada pelo monopólio das gravadoras e quando é suprido por selos menores, mas desconfio que a resposta, pelo menos para a primeira pergunta, é: bastante.

É sintomática a notícia da semana passada n'O Globo sobre a banda "OK Go". Pelo nome pouca gente conhece, mas milhões de pessoas já viram o vídeo das esteiras rolantes. Recentemente a gravadora deles (EMI) travou a exibição do vídeo fora do youtube (Otrazendo todo o tráfico para as propagandas na página do vídeo). Os próprios músicos são contra o movimento, lembrando que foram esses vídeos que tornaram a banda conhecida.

sexta-feira, 22 de janeiro de 2010

Exemplificando

Hoje li um excelente exemplo do comportamento que me incomoda na esquerda brasileira. Fernando Morais é um sujeito extrmamente culto. A biografia do Chateaubriand que ele escreveu é sensacional e totalmente imparcial. Ele é amigo do Lula e Castrista desde criança. Eu acho quase impossível que ele acredite na resposta que ele deu ao jornalista do Valor:

Valor: Como você consegue conviver com a falta de liberdade de imprensa em Cuba?

FM: Cuba é um país em guerra. Sofre embargo econômico e está sob ameaça permanente de invasão pelo mais poderoso complexo militar do mundo. O inimigo está ali, a 200 quilômetros. Todo país em guerra controla seus meios de comunicação.

É doublethink puro, saído diretamente de 1984.

quarta-feira, 20 de janeiro de 2010

Eterna Dúvida

Voltando ao eterno assunto PT vs PSDB, saiu uma nota do PT, assinada pelo Berzonini, onde lemos
"Torcemos para que o PSDB se encontre e produza um programa de governo, para que possamos ter um debate de alto nível neste ano eleitoral. O PT e seus aliados temos o que mostrar e propor aos brasileiros. Esperamos que a oposição não se esconda, nem se acovarde de defender a herança de FHC, da privatização, desemprego e paralisia nacional."
Eu tenho duas hipóteses. A primeira é que a cúpula do PT realmente acredita nisso. Nesse caso, os membros do partido seriam incapazes de enxergar que as reformas feitas no governo do Fernando Henrique foram essenciais para que esses últimos anos tenham sido de sucesso. Inclusive com a manutenção da política macroeonômica por parte do próprio PT (política que jamais seria implementada por iniciativa dos petistas).

A segunda é que a cúpula do PT não acredita nisso, mas sabe que muitas pessoas são ignorantes e vão acreditar em qualquer besteira. Nesse caso, os membros do partido teriam mais interesse no poder do que na honestidade. Pior ainda, tem mais interesse no poder do que no bem estar das pessoas. É exatamente a mesma estratégia do Collor, dizendo que o Lula confiscaria o dinheiro das pessoas.

Eu acho que as duas hipóteses são mais ou menos válidas. E eu sei que existem muitos petistas por aí. E eu acho que se o PSDB não tivesse esses mesmos dois defeitos (burrice extrema e sede cega por poder), esses petistas em um momento ou outro deixariam o PT de lado. Eu queria abrir o debate para fatos que me mostrem esses defeitos no PSDB.

sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

Econobobos

Se os biólogos têm que aguentar os ecochatos, os economistas têm os econobobos. Uma das bobeiras que eles vivem repetindo é que os economistas padecem de uma inveja nefasta da física. O desenvolvimento de modelos formais teria como único objetivo fazer um corpo teórico comparável aos modelos da física, sendo inútil do ponto de vista científico e prático, afinal de contas as pessoas não podem ser tratadas como átomos, não é?

Pegando carona no post médico de uns dias atrás, se os econobobos conecessem economia mais recente, eles teriam que ampliar o escopo da inveja, incluindo a Medicina. São extremamente comuns hoje em dia papers de economia que seguem o padrão de estudos médicos. São apresentadas idéias baseadas em modelos conhecidos sobre algum evento de interesse, depois essas idéias são testadas através de experimentos estatísticos. A técnica estatística é variada entre as áreas, mas a maneira de pensar é semelhante.

Mesmo que um dia os econobobos percebam isso e inventem alguma historinha sobre a inutilidade dessa abordagem (afinal de contas, as pessoas não podem ser tratadas como células do fígado, não é?), acredito que a economia já terá mudado mais uma vez.

Se os economistas sérios tivessem interesse em assuntos desinteressantes como eu, acho que eles chegariam à conclusão de que, na verdade, os econobobos têm inveja da economia séria.

quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

Uma contribuição para o debate sobre Doença holandesa

Em primeiro lugar, quero dizer que tenho acompanhado as críticas aos proponentes da hipótese de doença holandesa para o Brasil no Mão Visível e acredito que, até agora, aqueles que a defendem têm encontrado dificuldade em mostrar que ocorreu de fato desindustrialização.

Meu ponto é que essa discussão é, para dizer o mínimo, incompleta. Vejamos porque. Suponha uma economia na qual a indústria aumenta sistematicamente, num dado período, sua participação no produto. Suponha, contudo, que a despeito disso o dinamismo dessa indústria, medido pela tecnologia utilizada na sua produção, ou pela produtividade dos fatores empregados nesse setor, se mantém estagnado ou declina. Suponha ainda que o dinamismo desse setor em outras economias, em especial nos principais mercados com quem realiza trocas comerciais, assim como em seus principais concorrentes, aumentou sistematicamente no período.

Nesse cenário, a economia terminaria mais industrializada do que no início do período, mas com um setor bem menos dinâmico em termos relativos; por definição, mais distante da fronteira tecnológica e portanto em situação estruturalmente pior no que diz respeito a crescimento econômico, já que aqueles que defendem a hipótese de doença holandesa o definem como "aquisição de tecnologia" ou "structural upgrading".

Agora podemos parar com as hipóteses: a situação descrita acima conta a história da produtividade das manufaturas no Brasil desde 1980. Vejamos os gráficos abaixo:


Esse gráfico foi construído a partir de dados da GGDC para valor agregado na manufatura e emprego no setor. Mostra que após crescimento acelerado da produtividade da manufatura entre 1950 e 1980, temos uma um declínio e estagnação em termos absolutos a partir de então.

O próximo gráfico, usando a mesma base de dados, compara a produtividade da manufatura no Brasil e nos EUA para o mesmo período:


Esse gráfico impressiona não somente porque o gap de produtividade EUA-Brasil na manufatura, que manteve-se basicamente estável até os 1980, aumenta continuamente a partir de então, mas principalmente porque os EUA certamente não é a economia mais dinâmica nessa dimensão.

O gráfico abaixo, de natureza um pouco diferente (define como 100 o valor da produtividade na manufatura para o ano inicial para o qual havia dados, 1963), inclui a Coréia do Sul:


Note que mesmo considerando que o Brasil parte de uma base mais baixa (o que justifica que o gráfico vermelho esteja acima do azul no período inicial), o incremento da produtividade na manufatura é tão baixo a partir do período final que é superado pelos EUA. A intensidade do incremento na produtividade da manufatura na Coréia do Sul supera de longe qualquer das duas outras economias.

Conclusão: mais importante do que se a indústria aumentou ou diminuiu sua participação no PIB ao longo das últimas décadas, o fato é que esta perdeu dinamismo e o gap de produtividade em relação a outras economias desenvolvidas, ou em desenvolvimento consideradas casos de sucesso, aumentou sistematicamente a partir de 1980. Isto sim deveria preocupar os economistas que discordam de um modelo de crescimento baseado nas vantagens comparativas ricardianas.

segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

Anything but policy

Hoje foi o primeiro dia do Second Latin American Advanced Programme on Rethinking Macro and Development Economics (LAPORDE).

A palestra com o Ha-Joon Chang voltou a mostrar que todos os principais países hoje desenvolvidos se utilizaram de protecionismo para desenvolver setores antes incipientes. A evidência empírica é concreta, e do ponto de vista teórico de fato não há incompatibilidade entre ineficiência estática e eficiência dinâmica (muito pelo contrário, aliás; esse trade-off está presente nos conceitos econômicos tão básicos quanto a maximização de lucros do monopolista, e é conhecido de forma mais geral como conjectura de Coase).

Claro que não é fácil escolher quais setores proteger, quando eliminar a proteção, etc. Mas não há motivo nenhum para acreditarmos que fazer política econômica deveria ser algo simples, ou que deveriámos deixar tudo o que é complexo para o mercado. Quando há externalidades (sobretudo quando falamos de efeitos dinâmicos sobre outros setores), intervenção governamental pode ser desejável.

Queria destacar um comentário do Ha-Joon que julgo bastante interessante. Ele chama a atitude do mainstream em relação a Desenvolvimento de 'Anything-but-Policy Economics' ("Se um país cresce mais que outro, a causa fundamental não podem ser políticas; afinal, porque o outro país não adota as políticas que levaram ao crescimento do outro?").

Para mim, a resposta a essa pergunta tem a ver com o fato de que 1) não é consensual quais sejam as melhores políticas a cada contexto, 2) mesmo quando o é, podem não ser adotadas por fatores institucionais, 3) mesmo quando são adotadas, implementação é uma arte.

Deveríamos entender mais sobre policy making...


domingo, 10 de janeiro de 2010

Está cada vez mais difícil acreditar na hipótese Serra-mentiroso.

A política macroeconômica estável foi o pilar que permitiu o desenvolvimento nos últimos 15 anos. Para ser mais específico o Brasil começou deslanchar quando estabeleceu como base da política monetária: câmbio flutuante, meta de inflação e superavit primário.

No entanto, ambos os candidatos a presidência da República parecem abominar o famigerado tripé. Surpreendentemente, o Serra mais do que a Dilma ataca a política monetária.

O que defensores de uma política macroecônomica responsável normalmente acreditam é que o Serra só reclama da valorização do câmbio e da taxa de juros da-boca-para-fora. E parecem se contentar com isso.

Para mim parece pouco. Das duas uma: ou temos um Serra-mentiroso, reiteradamente falando que vai mexer no câmbio e combater as taxas de juros elevadíssimas e não vai, ou temos um Serra-ignorante, incapaz de compreender e capitalizar os resultados da atuação de membros de seu partido.

Sinto informar aos partidários da hipótese do Serra-mentiroso, que está cada vez mais difícil acreditar na existência dele. Quando interpolado sobre a decisão da ministra Dilma de rechaçar as metas de desmatamento o governador gratuitamente mostrou sua habital ignorância econômica.

“Os juros siderais e o câmbio mega-hiper-valorizado são muito piores para o desenvolvimento do que qualquer medida de defesa do meio ambiente”

Agora foi a vez de um outro membro da "elite" tucana, o presidente do partido Sergio Guerra, em entrevista à Veja, mostrar que o Serra-ignorante está aí para valer. Sua autoridade disse:

"Iremos mexer na taxa de juros, no câmbio e nas metas de inflação. Essas variáveis continuarão a reger nossa economia, mas terão pesos diferentes. Nós não estamos de acordo com a taxa de juros que está aí, com o câmbio que está aí. Estamos criando empregos no exterior. Os últimos resultados da balança comercial são negativos. Precisamos estabelecer mecanismos para criar empregos no Brasil. Espero que a sociedade nos compreenda."

Está ficando difícil acreditar.

quarta-feira, 6 de janeiro de 2010

A pergunta da Isaura

Semana passada lá estávamos minha patroa e eu assistindo um dos seriados médicos que acompanhamos (me recuso a dizer qual, mas não era Greys Anatomy) quando ela me perguntou se eu já tinha pensado alguma vez na vida em ser médico.

A minha resposta padrão é dizer não. Qualquer um que conheça minha desastrosa habilidade motora fina sabe que eu jamais deveria ter permissão de tocar em um bisturi. No entanto, refleti um pouco mais do que de costume e respondi: Já, agora!

Minha resposta vem de uma certa descrença que as vezes tenho na capacidade da pesquisa em economia de contribuir para o bem-estar da humanidade. Afinal, se que quero ser pesquisador queria ao menos ter certeza de que meu trabalho ajudará os outros.

Para elucidar o problema, consigo elaborar facilmente uma lista de grandes problemas da medicina:

-Como curar e previnir Aids
-Como curar o câncer.
-O que causa os males de Alzheimer e Parkinson e como curá-los.
-O que gera esquizofrenia.

E por ai vai. Elaborar essa lista em economia me parece bem mais difícil. Alguns amigos macroeconomistas me sugeriram problemas inspirados pela crise. Por exemplo, como prevenir depressões, como a política monetária deve levar em conta novos produtos financeiros.

Me parece pouco. Eu sinto que nós economistas somos os garotos chatos que sentam na frente na sala de aula. Ficamos muito bons em responder perguntas, mas as nossas perguntas não são tão boas.

Se alguém puder me ajudar com grandes problemas da ciência econômica que eu não esteja levando em conta, eu agradeço. Creio que a Isaura não vai me tolerar por mais 6 anos de faculdade de medicina e 2 de residência até que eu comece a botar algum pão em casa.

terça-feira, 5 de janeiro de 2010

Dividendo Mínimo Obrigatório: custos de eficiência vs proteção de acionistas minoritários

Seguindo a linha do Guilherme, segue um link para minha tese (basta clicar em Download e esperar 10 segundos...). Aguardo comentários/sugestões!

LINK PARA TESE

Abaixo o abstract:

Uma vasta literatura em finanças corporativas afirma que o Brasil, assim como os demais países com leis de origem francesa, oferece baixa proteção aos acionistas. Surpreendentemente, não há em tal literatura nenhum artigo que analise a eficácia do dividendo mínimo obrigatório, instrumento este que pode ser considerado um substituto à fraca legislação. O objetivo do presente artigo é suprir, pelo menos em parte, esta lacuna.
Ainda que existam subterfúgios ao não cumprimento do dividendo mínimo, as evidências empíricas apontam para alguma eficácia da legislação, isto é, alta distribuição de dividendos. Por outro lado, pode ser o caso em que a não distribuição de ganhos seja uma estratégia eficiente, por exemplo, em uma empresa com bons projetos à disposição. Nesse caso, o dividendo mínimo obrigatório implicaria em um custo de eficiência à política de investimentos da firma.
Faremos dois estudos sobre a distribuição de lucros. O primeiro consistirá em uma comparação do investimento em empresas que pagam e não pagam dividendos, antes e depois da crise de 2008. O resultado encontrado é que investimentos (ou a não distribuição de dividendos) parecem ser parcialmente explicados pela expropriação dos minoritários. O segundo estudo verificará a relação entre o acúmulo de reservas de lucros e a existência de bons projetos. Corroborando o resultado anterior, encontramos evidência de que a retenção de lucros nem sempre é justificada por melhores oportunidades de investimentos.

sábado, 2 de janeiro de 2010

Operação da justiça e Desenvolvimento

Vou inaugurar uma linha sugerida há algum tempo, em que cada um de nós publica aqui um resumo da dissertação. Pesquiso o efeito da operação de cortes judiciais sobre empreendedorismo e investimento.

Emergiu recentemente na literatura econômica um consenso de que instituições são relevantes para explicar diferenças de renda per capita entre os países, mas ainda são pouco claros os mecanismos através dos quais essas 'regras do jogo' deveriam afetar decisões econômicas. Desenvolvo um modelo em que indivíduos escolhem sua ocupação contingente à operação das cortes numa economia. Cortes afetam a decisão ocupacional ao condicionar os estados da natureza sob os quais um contrato junto a um fornecedor de capital é observado, de modo que o retorno esperado de empreender em equilíbrio é função das dimensões de operação da justiça.

De outro lado, isso também determina o colateral ótimo exigido pelos fornecedores em equilíbrio, determinando que indivíduos são capazes de tornar-se empreendedores com base em sua riqueza inicial. Por fim, o empreendedor pode realizar um investimento específico para aumentar o valor de seu projeto independentemente do estado da natureza que emerge ex-post; esse investimento é função da medida dos estados da natureza sob os quais o contrato é observado e, pois, seu retorno apropriado pelo empreendedor.

Quatro resultados são de interesse:

(1) Custos para iniciar um negócio (startup costs / upfront payments) só são economicamente justificados quando há incompletudes contratuais em contextos nos quais o fornecedor pode ser expropriado de sua opção de fora;

(2) Quando o empreendedor pode expropriar o fornecedor nos estados da natureza sob os quais o contrato não é observado, incrementos marginais na observabilidade do contrato não necessariamente aumentam empreendedorismo, e não afetam investimento;

(3) Quando o empreendedor não pode expropriar o fornecedor nos estados da natureza sob os quais o contrato não é observado, aumentos marginais na observabilidade do contrato não afetam empreendedorismo, e aumentam investimento;

(4) Empreendedorismo e investimento decrescem com custos de acesso à justiça (custos de litígio).

Intuição de (1): o fornecedor somente exigirá colateral para o empreendedor marginal quando for inviável que este possa compensar aquele através de pagamentos ex-post pela expropriação sofrida nos estados sob os quais o contrato não é observado. Esse resultado é interessante porque mostra que a ineficiência tradicionalmente enfatizada pela literatura de escolha ocupacional e desenvolvimento (i) é na verdade função da estrutura contratual da economia, (ii) é um caso particular, mais do que caso geral dessa configuração contratual; e (iii) é apenas uma dentre outras fontes de ineficiência que não necessariamente aparecem através da estrutura ocupacional - basta ver que quando não existem cortes, mas o fornecedor tem todo o poder de barganha ex-post, não haverá exigências de colateral (pois o fornecedor não pode ser expropriado), mas o investimento específico será zero (pois o empreendedor, de outro lado, pode ser plenamente expropriado do retorno de seu investimento).

Intuição de (2): Há dois efeitos de aumentar a observabilidade do contrato sobre o empreendedor marginal. De um lado, como o fornecedor recebe pagamentos ex-post em mais estados da natureza, seria possível induzir sua participação através de um colateral menor; de outro lado, prover pagamentos ex-post agora é mais caro para o empreendedor, pois eles se realizam em expectativa em um subconjunto maior de estados. O efeito final não é claro. O investimento não é afetado porque sempre é máximo: o empreendedor expropria, logo não pode ser expropriado.


Intuição de (3): Dado que o fornecedor não pode ser expropriado, não há exigências de colateral, logo a proporção de empreendedores não é afetada marginalmente pelas cortes. Já o investimento é, uma vez que o empreendedor pode ser expropriado ex-post, e logo investirá tanto mais quanto maior a observabilidade do contrato.

Intuição de (4): Custos de litígio tornam mais difícil induzir a participação do fornecedor para um dado menu de pagamentos, além de diminuir a disposição do empreendedor de utilizar pagamentos ex-post, pois utilizar o contrato - e, pois, a tecnologia de cortes - agora é mais caro. Logo, o efeito não é ambíguo e as exigências de colateral aumentam com esses custos, reduzindo empreendedorismo. Esses custos podem crescer a ponto de desincentivar o uso da tecnologia de arbitragem das cortes, substituída por renegociação entre as partes, o que reduz investimento quando o empreendedor pode ser expropriado nos estados em que não vale o contrato.

Os resultados de (4) são então levados aos dados utilizando a experiência de redução de custos de acesso à justiça dada pelo surgimento dos Tribunais de Pequenas Causas no Brasil a partir de 1985 e posterior conversão em Juizados Especiais Cíveis, a partir de 1996 - que possuem especificamente uma câmara de negócios. Mais detalhes sobre os resultados empíricos num próximo post...