Um post de algum tempo atrás tratava de uma certa desilusão dos economistas com respeito à sua capacidade de transformar a realidade. Trato aqui de duas coisas: O que qualifica os economistas para contribuir para a formulação de políticas públicas? E ao tentar ser 'policy relevant', será que os economistas contemplam os stakeholders corretos?
Sobre a primeira pergunta, a resposta é inspirada pelo 'What Works in Development', do post anterior. Economistas possuem modelos elaborados de maximização de lucros e são capazes de derivar condições de primeira ordem - tão complexas quanto possíveis - do problema da firma. Ainda assim, duvido que algum economista acredite que faria melhor que o CEO que está sentado na cadeira de qualquer grande corporação. Então por que os economistas acham que podem fazer melhor que os políticos de Estados subdesenvolvidos ou que os indivíduos de países pobres? Que informação têm os economistas que aqueles não têm?
Note: se o problema é de accountability, uma vez que, diferente dos CEOs - com relação aos quais um contrato de incentivos mais poderosos pode ser desenhado para mitigar moral hazard -, políticos podem perseguir interesses substancialmente diferentes daqueles dos 'acionistas' do Estado, a recomendação de política é outra. Qual seja, a de tornar mais eficazes os mecanismos de checks and balances capazes de limitar a apropriação do aparelho do Estado para fins de rent seeking.
Essa pergunta é bem mais difícil de responder do que parece à primeira vista. Economistas em geral não compreendem todas as restrições a que estão sujeitos os formuladores de políticas públicas. No que diz respeito aos indivíduos, através dos inúmeros estudos que caracterizam comportamento não-maximizador (identificando, por exemplo, taxa de desconto hiperbólica para explicar porque mesmo os pais não-restritos por renda não matriculam seus filhos na escola ainda que o valor presente de fazê-lo supere seu salário de mercado), o que os economistas pretendem sugerir? Se o modelo mental de realidade dos indivíduos é diferente daquele dos economistas, o que é maximizador de bem-estar?
Finalmente, sobre 'policy relevance', é pervasiva na profissão a ausência de modelos positivos - em oposição a normativos - de oferta de bens públicos. Por exemplo, qual a motivação para a provisão pública de educação? Modelos de 'Normative as Positive' (NAP daqui por diante, Pritchett, 2009) diriam que o Governo provê educação porque esta envolve externalidades positivas. Mas isso não explica porque o Estado não o faz por meio de vouchers ou subsídios à provisão privada, mas oferta ensino diretamente na maioria dos países do mundo. Se, ainda conforme Pritchett, o objetivo do ensino público é transmissão de ideologia, ainda que esse ensino seja menos eficiente na utilização de insumos, mais lento na adoção de inovações, etc., então as recomendações de política advindos de regressões que testam a eficiência de diferentes insumos numa função de produção educacional são simplesmente 'policy irrelevant'. Nesse caso, a recomendação maximizadora de bem-estar seria, segundo o autor, alertar os indivíduos - os stakeholders relevantes, nesse caso - sobre a superioridade da oferta privada vis a vis oferta pública de ensino; em outras palavras, uma política de transformação de governança.
Em linha com o que argumenta Ben Olken, no entanto, não é claro por que essa informação já não estaria disponível para os eleitores. Ainda assim, ensino público continua a ser a regra, ao invés da exceção, e muitas vezes correspondendo a 100% da oferta de educação em alguns níveis, na maior parte das economias.
O que eu acho disso tudo? Que os economistas tem um papel a cumprir, em especial em colaboração com os stakeholders relevantes, na formulação de políticas públicas. Esse papel, no entanto, é bem mais limitado do que imaginam, sobretudo na ausência de um modelo positivo de provisão de bens públicos. Em particular, economistas deveriam se perguntar mais vezes o que eles sabem que os atores relevantes desconhecem. Como argumenta David Weil, é improvável que os pobres façam mau uso sistemático da informação disponível num ambiente de competição pela sobrevivência que caracteriza uma economia subdesenvolvida.
Referência:
PRITCHETT, Lance (2009) "The policy irrelevance of the economics of education: is 'normative as positive' just useless, or worse?" in 'What works in development?' eds. Jessica Cohen e William Easterly. Brookings Institute Press.
10 comentários:
Improvável? oO
Sabe porque muitas pessoas fumam (ou fumavam)? Pois não tem (tinham) noção direta dos efeitos de seus atos.
Da mesma forma, porque muitas pessoas querem ficar em forma e nunca conseguem?
Analogamente, porque as pessoas faz várias escolhas sistematicamente erradas com relação aos objetivos a que perseguem?
Num país pobre e populista as causas dos problemas e os efeitos das políticas não são evidentes.
O sujeito observa que bancos privados não ofertam tanto crédito de longo prazo quanto o BNDES e conclui que o banco estatal é fundamental para o desenvolvimento do país.
Observa que não há escolas privadas boas e baratas e conclui que o ensino público universal gratuito é fundamental...
"diferentemente dos CEOS"
Caro anônimo,
Não discordo completamente de você, mas gosto de levantar um ponto do próprio Weil: porque essas pessoas supostamente ignorantes ou sem comprometimento intertemporal agem assim em relação a educação, por exemplo, mas não em relação à sua lavoura?
Ainda, se o problema é ignorância, qual a política ótima? Informar os indivíduos / eleitores ou produzir um monte de diretrizes para os policy makers?
Eles agem assim em relação à lavoura, principalmente em países subdesenvolvidos! Ainda hoje se vê gente na pobreza com vastas glebas no norte ou nordeste - algo inacreditável.
O problema não é só a ignorância, mas os incentivos, a quebra da causa e efeito, ato e conseqüência. Quando isso acontece, o aprendizado não ocorre - ou pior - o sujeito tira dos fatos a conclusão errada.
Se você toma como dado o fato de pagar impostos (ou nem percebe o quanto paga de imposto, como no Brasil), não é de se impressionar querer extrair o máximo dos gastos públicos, mesmo que a maior demanda leve a todos pagarem mais impostos.
A política ótima é difícil dizer...
Mas, as diretrizes me parecem mais eficientes a curto prazo e conhecimento no longo prazo.
Só para deixa a resposta mais clara.
O probema é que o desenho institucional da política dos países subdesenvolvidos, na maior parte das vezes, não promove o aprendizado do indivíduo nem dos políticos. Pode muito bem acontecer o contrário, promover o "desaprendimento" em massa - vide venezuela e argentina.
É como se você queimasse a mão no fogão e não descobrisse que é culpa do fogo.
Por isso, a curto prazo, as diretrizes são melhores. O aprendizado vem no longo prazo - vide Chile e Brasil (espero...)
Cabe a pergunta: como eleger então esses que irão implantar as diretrizes? Não sei. Mas, acredito eu, sair de um círculo vicioso requer movimento intelectual forte, boa retórica e algum oportunismo político.
Saindo mais do texto...
Uma das causas do declínio Francês como nação foi sua política pública de educação, tanto do ensino básico quanto superior. Isso permitiu à classe intelectual historicista/marxista (não só de economistas, mas como ideologia de uma nação) pervasivamente disseminar suas idéias.
Caro Guilherme,
como sugestão, diria para abusar menos das expressões em inglês, ainda mais quando tratarem de expressões específicas de um determinado campo de estudo. Soa pedante.
Outra coisa, "NAP daqui por diante, Pritchett, 2009", esperei a citação completa ao final, mas o senhor não a fez. Seus leitores não são obrigados a conhecer esse trabalho...
De resto, muito bom!
Desculpe, lapso meu:
PRITCHETT, Lance (2009) "The policy irrelevance of the economics of education: is 'normative as positive' just useless, or worse?" in 'What works in development?' eds. Jessica Cohen e William Easterly. Brookings Institute Press.
Prezado Guilherme,
Gostei do blog.
Na verdade, ECONOMISTAS não são DEUSES, como alguns colegas se acham... Porém, entendo que a ECONOMIA é fundamental na orientação da política pública.
No entanto, tudo vai a perder, SE a população não tem a mínima EDUCAÇÃO necessária para MUDAR o país.
Abraço,
João Melo, hoje direto de Lisboa. Semana que vem, direto da floresta amazônica.
Oh Anônimo, qual a sua evidência empirica de que há no nordeste pessoas utilizando mal (ou não utilizando) vastas glebas ?? Qual nordeste você conhece. O que sei é que no geral as terras são usadas quando tem condições pra tal, conheço o NE muito bem e tenho bons amigos trabalhando com economia agricola na região e nunca ouvi nada parecido . . . Use outro elemento de retórica ai que ese não cola (rs)
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