domingo, 17 de maio de 2009

Será possível isso?

Parece razoável que o consumo seja impulsionado pela queda de juros, mas esse efeito pode não ser tão direto em alguns casos. Teoricamente é possível que o queda de juros tenha um efeito negativo sobre o consumo presente da economia. Se pensarmos em um ambiente econômico em que a única fonte de recursos no futuro seja a poupança formada no presente, a queda nos juros fazem com que hoje se tenha que poupar um montante muito maior do que anteriormente para que se possa manter o padrão de consumo no futuro, assim fazendo com que se consuma menos no presente.

O modelo mais simples que consegui montar para explicar esse fenômeno usa de um argumento por preferências temporais e de uma estrutura de dotações particular (Acho que essa restrição pode ser flexibilizada, mas o efeito ocorrerá para intervalos específicos de juros):

Suponha que haja dois períodos, 1 e 2. (Representam juventude e velhice, respectivamente)
E que a cada período tenha-se que decidir quanto se consumir, sabendo que há uma dotação no período 1: y1, mas que no segundo período não haverá dotação (y2=0). As restrições que isso impõe são:

c1 + s1 = y1 e
c2 = (1+r) s1
ou equivalentemente:
c1+c2/(1+r) = y1

As preferências são:
U(c1,c2) = [c1^(1-g)]/(1-g) + b [c2^(1-g)]/(1-g)

Para g > 1 é possível gerar o resultado de consumo respondendo positivamente ao aumento de juros.

Mas o que é g>1?
Significa que há o suficiente de preferência por um padrão de consumo estável durante o tempo. Para as pessoas que já estudaram microeconomia com incerteza, esse parâmetro funciona como uma "aversão ao risco" temporal. Quanto maior é g, maior minha preferência por constância no padrão de consumo no tempo (assim como em estados da natureza com incerteza).

Semana passada escutei um argumento de que esse fenômeno ocorria na China, mas não encontrei os dados mostrando que ele ocorra.

16 comentários:

Anônimo disse...

A resposta do consumo aos juros depende da elasticidade de substituicao intertemporal.

Usando palavras, se a elasticidade eh alta o suficiente, entao o consumidor nao liga quando ele consome. No limite, elasticidade infinita, o consumidor escolhe entre consumir tudo agora ou tudo amanha, dependendo se a taxa de juros for menor ou maior do que a taxa de desconto da funcao utilidade.

Mas se a elasticidade for baixa o suficiente, no limite, digamos zero, o consumidor quer que o perfil do consumo seja constante. Entao um aumento da taxa de juros reduz sua poupanca hoje, assim ele pode rebalancar o seu perfil de consumo.

Prof Shikida disse...

Isto que o Anônimo disse não está errado, mas desconsidera o que o Espectro disse: basta calcular a expressão do efeito com a especificação oferecida.

Ou seja, parece que o Anônimo não entendeu direito o que se dizia e/ou não conseguiu calcular a Slutsky do problema.

Estou enganado?

Tiago Caruso disse...

Victor,

interessante você atribuir esse fenômeno, redução da taxa de juros chinesa aumentar a poupança deles, à aversão intertemporal de risco. Conversamos sobre isso após o seminário e eu acreditava que isso ocorria devido ao efeito renda da poupança dominar o efeito substituição. Talvez se eu colocar o tico e teco para funcionar, descubra que no fim vai dar no mesmo (ou que eu estava errado).

Quanto achar dados chineses, boa sorte.

Abs

M disse...

Unificando:

Do jeito que o victor montou a utilidade o g tem uma interpretação meio dúbia. Se você pensar em c1 e c2 como consumos em dois estados possíves da natureza (com probabilidade 1/(1+b) e b/(1+b)), aí você pode pensar em g como coef. de aversão ao risco. Mas se você pensar em dois períodos de tempo, aí é elasticidade de substituição temporal mesmo.

Victor disse...

Anônimo,
Muito obrigado pela correção. Sempre me atrapalho com essas coisas. Muito provavelmente deveria me referir a 1/g como elasticidade de substituição intertemporal. Mas eu acho que g é esse parâmetro.Para os pessoal das contas, há um erro nessa?
e = [du'(c)/dc]*[c/u'(c)] = g

Claudio,
Acho que ele só quis corrigir a expressão de elaticidade alta => consumo extremos
elasticidade baixa=> consumo constante
Se pensarmos nas situações simples onde tratamos de elasticidade, curvas inelasticas (baixa elasticidade) estão associadas a padrão de consumo estável.

Caruso,
Precisarei de sorte mesmo...

Rafael,
Isso é verdade. Ontem eu percebi esse negócio. Interessante, não é?

Anônimo disse...

"interessante você atribuir esse fenômeno, redução da taxa de juros chinesa aumentar a poupança deles, à aversão intertemporal de risco. Conversamos sobre isso após o seminário e eu acreditava que isso ocorria devido ao efeito renda da poupança dominar o efeito substituição. Talvez se eu colocar o tico e teco para funcionar, descubra que no fim vai dar no mesmo (ou que eu estava errado)."


QUanto a poupanca chinesa, o artigo definitivo eh Chamon-Prasad no American Economic Journal-Macro (acho que eh forthcoming para a segunda edicao).

Anônimo disse...

"Ou seja, parece que o Anônimo não entendeu direito o que se dizia e/ou não conseguiu calcular a Slutsky do problema.

Estou enganado?"

Estah enganado. O problema em questao eh especifico, a solucao que eu propus eh generica e nao depende do perfil das dotacoes ou funcao de producao ou etc.

Victor disse...

Existe essa versão do artigo citado pelo anônimo:

Why are Saving Rates of Urban
Households in China Rising?From 1995 to 2005, the average urban household saving rate in China rose by 7 percentage points,
to ¼ of disposable income. We use household-level data to explain the postponing of consumption
despite rapid income growth. Tracing cohorts over time indicates virtually no consumption
smoothing over the life cycle. Saving rates have increased across all demographic groups, although
the age-profile of savings has an unusual U-shaped pattern, with saving rates being the highest
among the youngest and oldest households in recent years. These patterns are best explained by
the rising private burden of expenditures on housing, education, and health care.

http://imf.org/external/pubs/ft/wp/2008/wp08145.pdf

Obrigado pela sugestão

Guilherme Lichand disse...

tornando pública uma discussão microeconômica que já tive com o autor do post, não pode ser o caso que o consumo em qualquer dos estados (ou períodos) seja um bem inferior, de modo que comportamento Giffen deve ser descartado NA AUSÊNCIA DE EFEITOS RENDA-DOTAÇÃO.

Esse resultado de impossibilidade de inferioridade vem da ausência de efeitos cruzados entre os bens na utilidade do indivíduo( por hipótese no caso intertemporal, e pelo axioma da independência, no caso da utilidade esperada).

Em outras palavras, deveríamos enxergar como um puzzle o fato de que o consumo no período 1 cai em resposta a uma diminuição do preço do consumo nesse período (uma diminuição da taxa de juros), pois o efeito renda é de mesma direção que o efeito substituição.

No entanto, se o indivíduo possui dotação cujo preço é também dado pela taxa de juros (i.e., se possui riqueza remunerada por r já no período 1), então há um efeito renda-dotação de sinal contrário, tão maior quanto maior a riqueza financeira (non-labor income) vis-a-vis a renda derivada do trabalho nos dois períodos.

É a equação de Slutksy no caso com dotação e para um bem normal, cujo efeito contra-intuitivo da qtd demandada em resposta à mudança no preço relativo advém de um efeito renda-dotação suficientemente grande - o que parece ser backed up por aquele comentário do palestrante de que grande parte da população possui riqueza significativa em depósitos.

M disse...

Em outras palavras, deveríamos enxergar como um puzzle o fato de que o consumo no período 1 cai em resposta a uma diminuição do preço do consumo nesse período (uma diminuição da taxa de juros), pois o efeito renda é de mesma direção que o efeito substituição.

O efeito renda é na direção contrária.

Tiago Caruso disse...

Acho que o Lichandson já matou quando deixou em caixas altas AUSÊNCIA DE EFEITO RENDA-DOTACÃO.

Na minha opinião é esse efeito que vai no sentido contrário e domina os outros dois.

Abs

Victor disse...

O que me deixa desconfortável nessa explicação do Lichand é que o aumento de taxa de juros presente afeta um montante que teria sido acumulado no passado. Esse resultado é fruto da hipótese implícita de que a taxa de juros não muda no tempo.

A restrição que o lichand tem em mente (pelo menos tinha...) é

c1 + (1/(1+r))*c2 = (1+r)*riqueza + y1 + (1/(1+r))*y2

Guilherme Lichand disse...

é isso mesmo que eu tenho em mente

não entendi o que isso tem a ver com constância no tempo da tx. de juros... apenas estamos falando de riqueza mantida na forma de depósitos remunerados a essa taxa.

Victor disse...

0->1 a riqueza rende juros r e
1->2 a poupança e o que resta da riqueza renderão r

se em 1 r muda para r'...então a riqueza já terá rendido r de 0->1 e não poderia mudar

Tiago Caruso disse...

Victor,

não estou entendendo essa hipótese de taxa de juros constante. Estamos fazendo estática comparativa justamente sobre r. Como ela pode ser constante? Só isolar c1 , derivar em relação a r e veremos que para alguma combinação de parâmetros o resultado será positivo, indicando que uma redução dos juros reduziria o consumo e, portanto, aumentaria a poupança.

Como em um choque exógeno na taxa de juros.

Victor disse...

Isso eu consigo entender.
Estou implicando com o exercício de comparação, mas agora vejo o meu erro, vocês estão certos.

O exercício é avaliar o comportamento da economia para duas taxas diferentes, e o resultado é o que o Lichand conclui.