quinta-feira, 21 de maio de 2009

Cade: a grande piada...

A cada vez que uma grande operação de fusão ou aquisição (M&A) acontece no Brasil, eu vejo algumas (poucas) pessoas na mídia discutindo questões como: essa operação irá afetar o desempenho do setor? Irá diminuir concorrência ? Se sim, quanto??

Normalmente, o jornalismo econômico se empenha em mostrar a festa dos controladores, as possíveis sinergias (é, essa é sempre "A" palavra), a possibilidade da empresa resultante virar uma líder global, etc..

Aí que entra o Cade. Orgão do governo que serve justamente para brecar operações prejudiciais ao público, é geralmente um motivo de grande piada... Um exemplo clássico é a Ambev (hoje AnInBev): a fusão da Antarctica com Brahma foi permitida, colocando-se pouquíssimas restrições. O resultado foi desastroso a meu ver: concentração excessiva no mercado cervejeiro (hoje 70% de market-share) e tentativas constante de acabar com qualquer concorrente. O último grande episódio foi a garrafa de 1L da Skol: com ela, a Ambev conseguiria prejudicar a reutilização de suas garrafas pelos concorrentes. O trio que comandava a Ambev quando da fusão ficou milionário, fundiu a empresa posteriormente com os belgas e hoje comanda a Budweiser. Quem olhasse de fora, pensaria que eles são gênios das finanças. Quem olhasse mais profundamente veria que essa expansão foi feita às custas de práticas monopolistas aqui no Brasil.

Agora, a bola da vez é a Brasil Foods. Sadia e Perdigão, as duas maiores do setor alimentício, anunciaram sua fusão. Na verdade, essa fusão já vinha sendo ensaiada há anos... O que ninguém do mercado cogita é um possível entrave por parte do Cade. Para todos, o Cade deve aprovar essa, assim como aprovou inúmeras fusões polêmicas anteriores. Chega a ser engraçado isso, face aos dados abaixo (dados de 2005, da Nielsen):

- em carnes congeladas, Sadia + Perdigão tem 80,4 % do mercado
- em carnes resfriadas, 50,6%
- pizza congelada, 60%
- aves e suínos, 26%

Vamos ver se o Cade resolver fazer sua lição de casa, estuda profundamente o mercado e, não se deixar levar por pressões externas. Meu palpite é que essa operação será aprovada e, sem ressalvas.

p.s: vale lembrar que, quando da fusão Antartactica + Brahma, as duas concentravam 46% do mercado (contra aproximadamente 70% hoje).

p.s 2: a única grande exceção que me recordo foi o veto de compra da Garoto pela Nestlé.

25 comentários:

Anônimo disse...

se nao fundir, uma delas quebra

qual opção tem maior custo?

Theo disse...

Se elas estão para quebrar (o que considero que nao estavam) é por motivos extra-operacionais: os conhecidos derivativos "target profit forward" da Sadia.

Não vejo motivos pq manter uma empresa que declaradamente teve 60% do seu lucro dos últimos 6 anos com receita financeira. Uma hora era bem provável que eles não acertassem. Afinal, a Sadia é um banco ou uma empresa de alimentos? Tudo começou a ir no caminho errado com a criação da Concordia.

Se a Sadia não teve competência de se sustentar com a venda de alimentos (i.e. lucro operacional) e uma gestão eficiente (incluindo ai hedge de exportações), problema dela. Que venha alguém mais eficiente...

M disse...

concordo plenamente com o post e o comentário. Outra saudável excessão que parece que tá pintando no horizonte é uma intervenção do CADE na visanet/redecard:

"o governo tentará convencer os acionistas de Visanet e Redecard a que eles próprios tomem a iniciativa de se desfazer de dois dos três negócios que controlam no mercado."

(trecho retirado do valor econômico de quarta-feira / somente para assinantes)

Só discordo do seguinte: apesar da vantagem de ter o quase-monopólio do mercado, os três da ambev são gênios. Vide o resultado trimestral da Bud...

Guilherme Lichand disse...

"se nao fundir, uma delas quebra
qual opção tem maior custo?"

Não é da responsabilidade do CADE fazer política industrial, e sim regular a concorrência. Essa confusão é algo que se via muito presente no julgamento do caso AMBEV. Nos autos, lê-se que alguns dos conselheiros destacavam que a fusão permitiram a formação de um grande grupo brasileiro com dimensão internacional; foi essa visão que de certa forma limitou as restrições à operação.

Discordo totalmente que a análise econômica dos casos julgados seja superficial: o CADE se baseia nos estudos econômicos - que julgo competentes, pelos que já tive acesso - de SEAD e SDE, que buscam estimar em termos quantitativos os impactos concorrenciais das operações. De outro lado, as partes envolvidas usualmente apresentam estimativas das sinergias geradas no processo.

Adicionalmente, ao meu ver, a partir do caso Nestlé-Garoto o órgão se mostrou mais maduro para julgar esses casos, sem mencionar que nesse período também de modo inédito passou a condenar um número expressivo de cartéis. Acredito que possa haver limitações significativas à operação, obrigando a Brazil Foods a se desfazer de inúmeras marcas nos vários mercados em que ela atua.

Em particular, o fato de que a empresa constituiria um monopsônio num dos mercados talvez possa bloquear totalmente a fusão nesse segmento... meu palpite!

Galego disse...

Acho válida essa fusão. Ela vai me incentivar a virar pisci-vegetariano e, assim, melhorar a minha saúde.

Anônimo disse...

destruição criativa, eficiencia..ok

mas, a questão era, qual opção tem mais custo? A quebra de uma empresa com faturamento de 10BI anuais(nao achei o qto isso representa em % do faturamento do setor) ou a constituição do monopolio?

Anônimo disse...

Sou a favor da fusão. As empresas nacionais tem que ser tornar fortes. A competição hoje é com o mundo. Ou seja é melhor que o controle fique com o capital nacional. Remessa de lucros para uma matriz estrangeira é ruim...

M disse...

Uma coisa são os estudos serem sérios, outra coisa são os conselheiros zelarem pelo bem estar do consumidor...

Outra coisa. Na minha opnião, esse papinho de criar empresas fortes nacionais é o engana-trouxa mais duradouro do capitalismo.

Anônimo disse...

por lapso nao assinei meus dois ultimos posts, referentes a pergunta com relação ao custo (deixar quebrar x fundir)

Doutrinador

PS: nao me posicionei como favoravel ou contra a operação, apesar de conhecer um pouco o estado da empresa pré-fusao, tem muitos outros dados que teria de dispor para ter uma opiniao formada..

Anônimo disse...

Olá pessoal

Vocês conhecem o livro Economia Internacional: Teoria e experiencia brasileira (Ed. Campus, 2004), dos professores BAUMANN, Renato, Otaviano CANUTO e Reinaldo GONÇALVES? Se sim, acham que vale a pena comprá-lo?

Abrs,

A

Bernard Herskovic disse...

Genial,
O futuro: um Brasil de dois ou três bancos grandes, um governo, uma firma de alimentos... Ao meu ver, uma perda de bem-estar significativa.

lucas disse...

Bernard,
faltou:
duas de avião, uma de cerveja, 1 e uns quebrados de cimento...
abs

Marcelo B.N disse...

Os três da Anbev são gênios, vide qualidade do produto/market-share.

Acho que ninguém nunca ficou tão rico vendendo algo tão ruim como as cervejas deles.

M disse...

Eu não disse que eles sabem fazer cerveja, disse que eles sabem "fazer" dinheiro (com ou sem monopólio).

Tiago Caruso disse...

O Rafael,

até quando o cara concorda você da patada, o que houve foi espinafrado pelo Schwartsman?

Anônimo disse...

Pessoal,

Tudo bem que o Cade deve regular para produzir concorrência, e se nesse caso há danos à concorrência, então a fusão deveria ser impedida. Mas concordo com a opinião do anônimo que diz que a competição é com o mundo. A Brasil Foods poderia concorrer com outras empresas mundiais pelo fornecimento de alimentos aos brasileiros.

E aí vai a pergunta: para proteger os consumidores brasileiros não seria melhor abrir a economia?

Eu sei que isso não é da alçada do Cade, mas se tivessem de escolher entre as duas opções, não faz mais sentido abrir a economia?

abraço, Zamba

Arthur disse...

Concordo com o Lichand. Não é função do CADE fazer política industrial. Quanto a fusão em si, se o governo julgasse necessário salvar a Sadia (porque vai ter dinheiro público grande para viabilizar a fusão) que o fizesse de outros modos que não a concentração de mercado. Nesse caso, estamos no pior dos mundos. Vai ser gasto dinheiro público, vão haver perdas significativas de bem-estar tanto pelo lado do consumidor quanto pelo lado dos produtores de suínos e aves que ficarão a mercê de um comprador único e não serão punidos os controladores que permitiram a Sadia chegar na situação que chegou.

Log disse...

Se vocês acreditam no livre mercado, não deveriam ser contra a fusão. Se a empresa tiver lucros extraordinários, vai atrair outras empresas para o segmento.

Na verdade, a "competição" entre Sadia e Perdigão sempre foi para inglês ver. Elas sempre praticaram preços muito acima da concorrência, com base na marca. Um frango da Sadia deve custar uns 20% ou mais do que o de uma marca desconhecida. Então não deve mudar quase nada.
Além disso, para quem conhece a economia real (ao invés de ficar só lendo livro do Tirole), sabe que o monopsônio também já existe há décadas pois essas empresas trabalham sob regime de integração com os produtores, que normalmente não têm uma segunda opção de comprador na sua região. Na realidade, a competição real que existe é entre as sociedades comerciais e as cooperativas de produtores rurais, com as primeiras tentando evitar que os produtores se organizem em cooperativas.

Tiago Caruso disse...

Zangado??

Guilherme Lichand disse...

Em primeiro lugar, o fato de que o frango da sadia custar mais caro que um frango sem marca só mostra que os produtos não são homogêneos, i.e., há
algum grau de poder de mercado. Algum poder de mercado é diferente de mais poder de mercado.

Permitir restrições verticais não é a mesma coisa que um monopsônio. Vou ilustrar com um exemplo para te ajudar. Considere um caso downstream, em que os produtores de refrigerante precisam fazer seus produtos chegaram a muitas regiões, e para isso usam distribuidores. Como existe valor atrelado à marca e à experiência de consumo como um todo, os produtores desejam investir nos distribuidores (colocar freezers, por exemplo). Entretanto, se houver múltiplos produtores, pode haver free-riding no investimento alheio, e o resultado é investimento sub-ótimo. Nesse contexto, permitir restrições verticais (obrigar os distribuidores a comprarem de um produtor só) pode ser welfare improving.

Suponha agora que todos os produtores se fundem e que há barreiras à entrada. Não há mais o problema de free-riding. Então estamos na mesma, certo?

Errado, pois o distribuidor não era obrigado a comprar de um produtor específico, mas de um produtor único. Qual seria este? Aquele que oferecia o produto que lhe proporcionava maior lucro esperado. Isso impede que o preço de equilíbrio seja o preço de monopsônio.

Acho que ler o Tirole me ajudou nessa, campeão.

Log disse...

OK campeão, vamos continuar...

A Sadia e a Perdigão não são compradoras de frango. O que elas compram é o serviço de engorda dos frangos, uma vez que elas dão os pintinhos, a ração, o transporte, etc.
Não consigo visualizar o free-riding nesse caso, pois a propriedade rural, incluindo os aviários, não são da Sadia.
Embora nada impeça a concorrência entre as empresas, na prática já existe monopsônio há décadas, pois é anti-econômico para as empresas trabalhar com produtores integrados muito distantes dos abatedouros. Logo, em cada pequena região, normalmente existe apenas uma empresa que compra os serviços de engorda de aves. E, consequentemente, o preço de equilíbrio é, quase sempre, o preço de monopsônio.

Guilherme Lichand disse...

Mesmo te dando total crédito sobre o que você disse nesse último comentário, meu ponto continua totalmente válido: o fato de observarmos que cada produtor só se relaciona com uma empresa é diferente de só existir uma empresa no mercado com a qual ele pode se relacionar. A diferença fundamental é a existência de opção de fora.

Mesmo que no framework estático fosse anti-econômico vender para uma empresa cujo complexo seja distante da fazenda produtora (a propósito, não sou nenhum especialista em frango, mas algo me diz que esse seu ponto não é válido: primeiro, não vejo motivo para a espeficidade de ativos locacional, segundo, uma solução de tecnologia difundida nesse mercado é inserir chip em cada pintinho para monitorar tudo, inclusive a ração da qual cada grupo se alimenta, para servir diferentes mercados - e.g.: o mercado argentino gosta da carne mais amarela, e os pintos precisam receber alimentação diferente. Esse sistema permite monitorar a produção à distância. Se a especificidade fosse suficientemente alta, a cadeia seria integrada verticalmente para trás), a outra empresa sempre pode ameaçar a situação de monopsônio da outra pela promessa de construir um complexo próximo àquela fazenda no futuro e ganhar o mercado pagando um preço maior.

Resumindo, sua dificuldade está em separar competição de contestabilidade. Lembre-se que até um monopolista pode cobrar preço competitivo se há suficientes entrantes potenciais.

Anônimo disse...

Mas acho que voces estao perdendo de vista a floresta...

O que acontece eh que a politica industrial do governo petista tem como objetivo principal a formacao de monopolios privados em firmas de capital aberto sob controle dos fundos de pensao das estatais.

Sim, a fusao eh prejudicial ao consumidor, o esquema de financiamento muito provavelmente eh prejudicial ao contribuinte, e o monopolio eh prejudicial aos produtores... Mas fala serio, mermao! Quem liga para os consumidores? os produtores? os contribuinte? Hahahaha. O nome do jogo eh defender os fundos de pensao do PT. O resto eh trouxa.

Anônimo disse...

"a única grande exceção que me recordo foi o veto de compra da Garoto pela Nestlé. "

Vale meu ponto... Como os fundos de pensao do PT nao sao donos de nenhuma fatia substancial da Nestle, barra-se entao a fusao.

M disse...

Acho que o anônimo tem um bom ponto...