segunda-feira, 27 de julho de 2009

Meninos da PUC respondem a Oreiro e Andrade: podemos conversar, mas com algum método.*

Recentemente recebemos aqui no Espectro um link que nos levou à algumas críticas referentes a um post escrito aqui. As críticas são de Cyro Andrade, autor do texto, "Podemos Conversar", publicado no valor, reforçando o comentário feito por José Luiz Oreiro, professor da UNB, feito em seu blog.

O artigo escrito no valor trata de críticas feitas ao método que vêm sendo adotado para se comunicar academicamente nas escolas tradicionais. Os críticos propõem um método mais plural, na forma de dialogo entre as diversas correntes, em contraste ao monólogo imposto pelos modelos que partem do individualismo tratado de forma matematizada. Argumentam também que a crise é fruto dessa forma de se pensar.

O artigo aqui publicado, pelo Rafael Magri, ataca essa visão argumentando que a distinção ortodoxia e heterodoxia é um tanto cinzenta, e que a divisão relevante seria entre má e boa economia. "Sempre que a "profissão" consegue aprender alguma coisa, estamos falando de boa pesquisa. Sempre que existe blá blá blá, análises intermináveis sobre textos antigos e estatística (ou econometria) feita sob medida para encontrar resultados, temos uma pesquisa ruim."

Inicialmente, a crítica feita por Oreiro se refere a um comentário feito aqui por um anônimo,
"É, esse caderno do Valor foi deveras idiota.
Alguém quer me ajudar a contar quantos heterodoxos escrevem no Valor e em outros jornais? E comparar com o número de "ortodoxos"? "

Em resposta, mostra que 9 articulistas são ortodoxos enquanto 7 são heterodoxos. Enfim, o valor é um jornal pluralista. Fato que Andrade também confessa ser verdade, dizendo que essa é uma das razões para que o Valor seja um jornal tão respeitado.

Felizmente não temos controle sobre nossos comentaristas. Não posso responder por ele, e nem gostaria. O que posso fazer é comentar o descontentamento do jornalista e do economista sobre a cabeça fechada do que comenta. E só.

A discussão não é clara ao delimitar o que está criticando. Não distingue o que é crítica sobre a abordagem de modelar matematicamente um problema e testar as conclusões que dele resultam; o que é crítica às hipóteses subjacentes aos resultados; o que é crítica ao capitalismo, às finanças; e tão pouco, o que é birra por não concordar que evidência estatística possa significar algo. Atira-se para todos os lados, buscando reunir o maior número de "anti-autistas" possível. Qual é a proposta alternativa? Esquecer as técnicas mais precisas em detrimento da Retórica.

Alguns exemplos dos argumentos citados na matéria do Valor:
1) “o que falta [à macroeconomia dominante, na academia e nas escolas] é um sentido do todo humano”, por que “a economia ‘samuelsoniana’, termo melhor do que ‘neoclássica’, reduz toda a economia às aventuras de um mau caráter chamado Max U” (que maximiza a utilidade). “Esse sujeito é um completo idiota! Só pensa em si mesmo. Uma economia pluralista fala de pessoas reais.”
2) (...) "Mas fica difícil para um economista externo ao pensamento “mainstream” entrar no circuito das publicações acadêmicas, terreno importante para a apresentação de idéias que possam ser consideradas inovadoras. É o que explica McCloskey: “O problema é que, para ter um artigo aceito num “journal” samuelsoniano, você deve usar um modelo Max U e deve expressar seus resultados em ‘teoremas de existência’ -- que não têm nenhuma importância como ciência, pois ciência trata de grandezas, não de teoremas de existência. Além disso, você precisa usar ‘significância estatística’, o que é um procedimento também desimportante. Se você está apenas raciocinando sobre economia, usando argumentos coerentes e mantendo-se atento às possíveis magnitudes relevantes, então você está fazendo verdadeira ciência econômica. Mas não vai ser publicado.”

Os economistas aplicados do mainstream vivem de testar as hipóteses dos modelos. Quando não encontram evidências dos resultados, surge um desafio para a teoria, criando espaço para que busquem melhores respostas. Se não há um acordo com a abordagem de teste, como se avaliar um argumento? É preciso um terreno comum, que possibilite a avaliação precisa dos argumentos e a contraposição das conclusões com a realidade. A econometria têm evoluído para construir esse terreno comum.

A má economia está para a teoria econômica como a alquimia está para a química. Química moderna é a racionalização de práticas da alquimia sem as crenças mitológicas. Não há nenhum problema com crenças, só não podemos aceitar que elas se finjam de ciência.

O maior argumento da mediocridade é fazer-se passar por diversidade. Diversidade é quando se abre espaço para diferentes idéias igualmente válidas. Há muito espaço para contestação e diálogo dentro da boa economia, mas é preciso método e implicações refutáveis. Caso contrário, é melhor usarmos túnicas e buscarmos uma pedra-filosofal heterodoxa.

*Esse post foi escrito conjuntamente com Tiago Caruso

domingo, 26 de julho de 2009

Economia do cinema

O mercado nacional de cinema é algo que tem me interessado muito nos últimos 18 meses, em particular em virtude de suas transformações ao longo do tempo. Como pouquíssima gente já refletiu sobre o setor com um olhar econômico, há muita coisa a ser explorada em pouco espaço, então hoje vou focar na organização industrial do setor. Se o post emplacar volto a falar no tema.

Na maioria das economias desenvolvidas, o setor é caracterizado pela integração vertical das etapas da cadeia produtiva: distribuidor e exibidor fazem parte de um mesmo conglomerado. A lógica econômica por detrás dessa organização remente à continuidade natural dessas atividades: (i) os retornos de uma distribuição onerosa aparecem na forma de maiores receitas para o parque exibidor, (ii) o exibidor, de outro lado, condiciona a extensão do retorno possível para as atividades acima na cadeia, ao controlar o tempo em cartaz, exibição de trailers e outras estréias.

No Brasil, essa lógica prevaleceu até início da década de 1990, o que esteve associada a forte desempenho do cinema nacional, impulsionado também pela atividade organizadora da EMBRAFILME. Com a abertura comercial, grandes distribuidoras (as majors) adentraram o mercado nacional em especial em função das modificações sofridas pelo parque exibidor, em que se estabeleceu um novo modelo de negócio: salas em shoppings, em detrimento de salas de rua, e sobretudo os complexos multiplex, nos quais uma única cópia pode ser exibida em mais de uma sala.

O novo modelo chacoalhou o setor, e distribuição e exibição passaram a constituir atividades separadas. A relação de barganha sobre os retornos gerados pela intensa complementariedade das atividades estabeleceu-se com grande desequilíbrio, em favor das distribuidoras. Nesse sentido, todo o retorno de um filme primeiro é direcionado para remunerar sua distribuição. Isso fez com que a lucratividade da exibição fosse extremamente reduzida, com impactos diversos: (i) apenas 7% dos municípios brasileiros possui sala de cinema, e são raros os municípios com menos de 100 mil habitantes que possuem alguma oferta de salas; (ii) a partir de 2002, com a mudança de estratégia de despesas de lançamento (cerca de 40 cópias por filme até então, para uma média próxima de 15o cópias por filme) - adicionalmente a toda uma nova estratégia de comercialização das majors, focando nos blockbusters e sequências e progressivamente eliminando a produção residual - a produção nacional não conseguiu acompanhar a internacional exibida aqui em termos de cópias no lançamento, pois a distribuição tornou-se tão cara que seria virtualmente impossível recuperar os custos totais de um filme.

A política de valorização da cultura e apoio ao cinema nacional, sobretudo expressa na determinação de cotas de tela, é mal desenhada e pouco amparada em dados, transferindo cota de complexos menores para médios (ou vice-versa) conforme o cinema nacional vai mal (ou bem) no ano anterior. Uma política de fomento à criação de novas salas pareceria a mais adequada a aumentar o público do cinema nacional, pois o problema de restrição de oferta é evidente, não só pela escassez de municípios com tela, mas também porque o Brasil tem uma das relações mais inadequadas em termos de habitantes por sala (o considerado ideal é de 40.000, apenas DF apresenta relação inferior)... mas como fazer isso se o negócio não é lucrativo?

Diante disso, a digitalização das salas aparece como a política mais promissora, pois reduz de maneira substancial os custos de exibição, tornando possível que uma sala no interior do Nordeste exiba um blockbuster no mesmo momento em que ele foi lançado numa capital. Isto não apenas redistribuiria poder de barganha entre distribuidores e exibidores, mas tornaria lucrativo o negócio exibidor, permitindo sua expansão e também incremento da competição (ainda que algo pulverizado, o líder do setor - a rede Cinemark - possui 3 vezes a participação da segunda empresa de maior market share).

quinta-feira, 23 de julho de 2009

O trabalho de Gabriel Buchmann

Não sei quantos de vocês estão acompanhando o desaparecimento do economista Gabriel Buchmann , mas essa notícia mexeu especialemente comigo e no meio a torcida para que ele seja encontrado bem, resolvi escrever esse post.

Não que eu o conhecesse muito bem, ele fez graduação e mestrado em economia na PUC-Rio 3 anos antes de mim, por gostarmos dos mesmos temas conversamos algumas vezes. Figura ótima, expansivo, genuinamente simpático.

Mas eu não o conhecia muito bem. A notícia de seu desaparecimento mexeu comigo porque acima de tudo eu admiro. Admiro o trabalho dele. Tive oportunidade de ver a defesa de tese dele e depois lê-la. É brilhante. E a melhor homenagem para pessoas brilhantes é a simples exposição de seu trabalho.

A tese de Gabriel Buchmann, defendida na PUC em 2007, consiste em um modelo em que interagem 3 fatores: educação, taxa de natalidade e economia política. Com isso ele funde duas correntes da literatura de desenvolvimento econômico que explicam como sociedades podem se manter altamente desiguais.

Ele constroi um modelo de dinâmica inter-geracional e mostra algo fundamental para ciências sociais: Com uma democracia eficiente, a desigualdade não pode ser persistente. Isso acontece pois como os pobres têm mais filhos, eles tendem a se tornar preponderantes e a votar em governos que melhorarão a educação pública e isso fará com que o custo de educar crianças diminua, desviando o trade-off qualidade vs quantidade de filhos em prol de um equílibrio onde todos têm poucos filhos e eles são bem educados, o que reduzirá a desigualdade. Um tratado de ciência política em linguagem matemática.

Por favor Gabriel, seja encontrado. Queremos mais.

quinta-feira, 16 de julho de 2009

Probabilidade é mais importante que cálculo

Desculpem-me os engenheiros, esse é um blog formado em sua maioria por economistas e a opinião pode ser tendenciosa.

Nesse vídeo no TED , Arthur Benjamin , matemático, argumenta de forma clara e direta  algo que há tempos eu concordava: Probabilidade é mais importante do que cálculo.

De forma alguma acredito que cálculo não seja importante. De fato, a frase acima é um pouco genérica, uma coisa não é mais importante do que a outra per se, precisamos de algum critério. O foco da discussão é que tipo de instrução matemática as pessoas deveriam ter no segundo grau. 

No high school americano, as crianças podem optar por estudar cálculo e mesmo no segundo grau brasileiro, grande parte das disciplinas básicas de matemática, aritimética e geometria, culminarão com o estudo de cálculo. O que acontece tanto lá quanto aqui é que, a não ser pessoas que trabalharão na áreas de exatas (e mesmo dentro dessas áreas), ninguém terá contato com esse tipo de problema no quotidiano. 

Por outro lado, os conceitos necessários para compreensão de dados, como média, desvio-padrão, mediana, distribuição, correlação, risco, aleatoridade estão presentes no dia a dia de jornalistas, cientistas sociais, médicos e até advogados e por isso deveriam receber mais importância na formação básica em um mundo digital.


segunda-feira, 13 de julho de 2009

Um novo modelo?

O professor Robert Reich postou recentemente em seu blog um comentário interessante sobre as perspectivas de recuperação (leia a íntegra aqui) : "My prediction, then? Not a V, not a U. But an X (...) The X marks a brand new track -- a new economy. What will it look like? Nobody knows. All we know is the current economy can't "recover" because it can't go back to where it was before the crash. So instead of asking when the recovery will start, we should be asking when and how the new economy will begin."

Também falando sobre a crise, mas num contexto mais amplo, André Lara Resende (leia aqui) questionou que seja possível sustentar o modelo de crescimento que o mundo assistiu na última década: "Emerging market countries, traumatized by the recurring crises, came to understand that the adoption of the macroeconomic policy consensus was not enough to guarantee investor confidence. They were not allowed to benefit directly from the euphoric expansion of world credit. To avoid being repeatedly knocked down by a sudden lack of investor confidence, when going too far in their dependence on foreign capital, emerging market countries adopted a cautious attitude (...) Growth of emerging economies has relied on exports to cater to the consumption of the central economies, while domestic consumption was repressed (...) Emerging countries, that have only a conditional credibility, do not have room to turn domestic consumption into the engine of growth. Any attempt to mobilize internal consumption as an autonomous factor of growth increases the risk of running against the external restriction. The result could be a major and disruptive currency devaluation, after which there will be no room to conduct anti-cyclical policies (...)".

E conclui: "High rates of growth, based on the increase in consumption of the mature economies of first-world countries, cannot be sustained for a prolonged period. First-world countries have low or zero demographic growth, an inverted demographic pyramid and already very high standards of living. The maintenance of a high rate of consumption growth depends, both on the creation of new consumption needs and on the permanent expansion of credit to families with ever higher levels of debt. The rich central countries consume, financed by ever higher levels of debt, in order to satisfy ever more artificial needs, with products made in China, which controls its labor costs and buys raw materials from emerging countries. No need of a profound analysis to conclude that in the long run this model is unsustainable."

Tão ou mais importante que a discussão sobre o que será o novo modelo regulatório para o sistema financeiro está uma questão central: qual será o novo modelo de crescimento para o mundo nas próximas décadas?

Até então, a resposta parece completamente incerta e é hora de boas cabeças tentarem sugerir soluções...