segunda-feira, 4 de maio de 2009

Nurture VS. Nature

Essa discussão é tão antiga quanto o próprio homem: as capacidades humanas são determinadas a priori ou são moldadas pelo ambiente?

Embora a ascensão dos ideais iluministas tenha trazido ao primeiro plano os conceitos de igualdade e liberdade - e com eles a idéia de que o ser humano é auto-determinado ao invés de limitado por condições de natureza divina -, a idéia de que o homem é limitado por condições iniciais apresenta incrível persistência na história das idéias.

Evidências recentes, contudo, têm apontado para um papel do ambiente substancialmente maior ao que se imaginava até aqui, mesmo superior àquele dos genes. Em particular, a inteligência, recorrentemente compreendida como um ativo geneticamente herdado e imutável, obra do destino, tem recebido atenção de pesquisadores de diversas áreas, cujos estudos sugerem que esta é não apenas em grande parte determinada pelo ambiente como ainda incrivelmente maleável ao longo da vida.

1. A expressão dos genes
A revista VEJA recentemente veiculou matéria bastante informativa sobre as novas descobertas acerca da maneira como o ambiente afeta a expressão do código genético. Segundo dados apresentados, provenientes de estudos realizados com gêmeos homozigóticos, até 70% dos genes responsáveis pela determinação de algumas características podem ser ativados ou desativados por fatores ambientais.

2. QI
Estudos bastante intrigantes vem revelando que o QI varia surpreendemente ao longo da vida. Pesquisadores submeteram crianças negras a um experimento controlado que envolvia uma cesta de intervenções. O estudo, publicado em abril na revista Child Development, de autoria de pesquisadores das universidades de Columbia e Northwestern, revela que pobreza e oportunidades de estudo - e não raça - determinam desempenho.

3. Somos todos iguais?
Particularmente, não concordo com a idéia de que os seres humanos são todos iguais. Essa idéia de homogeneidade é tão incrustrada na mente do homem que mesmo um observador perspicaz e agnóstico como Darwin demorou anos até aceitar que variações intra-espécie poderiam ocorrer rotineiramente na natureza (David Quammen, 'As dúvidas do senhor Darwin'). No entanto, as evidências recentes sugerem que apesar das diferenças e limitações que nos circunscrevem, a plasticidade do cérebro humano é grande o bastante para que os indivíduos possam ir bem mais longe do que se imaginava a priori.

4. Mozart foi um gênio
É conhecida a observação de que o QI tem aumentado significativamente ao longo do tempo. O homem é hoje, em média, mas inteligente que há 100 anos atrás. Na linha do que estamos discutindo, isso pode ser advindo de alimentação e background familiares diferenciados. Independente dos motivos, contudo, o fato é que em princípio isso gera uma força de superação da geração corrente em relação às anteriores: atualmente, mentes expoentes partem de condições iniciais superiores àquelas dos gênios do passado.
Reportagem do New York Times de 03/05 afirma que Mozart não teria se destacado entre as melhores crianças instrumentistas de hoje. Sua mente brilhante foi produto de treinamento absolutamente rígido e intenso, conduzido desde muito cedo. E este parece ser o segredo das grandes mentes: disciplina e imersão, a partir ou apesar das condições iniciais.

5. O que vem primeiro?
É claro que indivíduos inicialmente mais aptos têm mais incentivos para se esforçar mais e obter resultados positivos, gerando uma indeterminação sobre o que causou o quê. Não há dúvidas de que a ressalva é válida. Alternativamente, o ponto fundamental dos experimentos recentes é apontar que a natureza não é uma prisão. Mais do que isso, que o ambiente tem papel fundamental, e mais ainda, que o talento é construído ao longo de toda a vida. Antes se acreditava que o QI estava completamente determinado antes da adolescência. Uma pesquisa com jovens do Ensino Médio mostrou que o simples ato de sugerir que poderiam ficar mais inteligentes caso estudassem mais induziu melhores resultados em testes de QI realizados algumas semanas depois.

6. E daí...
Políticas das mais diversas naturezas têm seu papel magnificado: podem não apenas produzir resultados desejados tomando como insumo os atributos individuais, mas prover condições para que o ambiente permita que as condições iniciais sejam superadas. Os experimentos nas escolas que borbulham por aí, inclusive no Estado de São Paulo - uma cesta de intervenções inéditas no país - parecem caminhar nesse sentido.

13 comentários:

Theo disse...

O que estão fazendo de especifico nas escolas de SP, Guilherme?

Guilherme Lichand disse...

Segundo o que o André Portela, da FGV-SP, comentou há algum tempo, a secretaria da Educação do Serra contratou uma série de estudos um pouco na linha do Projeto STAR nos EUA: vão aleatorizar turmas com salas menores, com mais professores, com recursos paradidáticos suplementares, etc. Além de gerar input para pesquisa, que ao meu ver é um dos usos mais produtivos do dinheiro público - que pode interagir com a academia explorando os incentivos em curso que motivam os pesquisadores -, vai na raiz da questão que discuto no post: modificar o ambiente de aprendizado e entender de que modo isso está relacionado a desempenho.

Guilherme Lichand disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Guilherme Lichand disse...

não sei que parte disso já está em prática... dei uma procurada rápida no google e não achei nada; talvez eu mande um email perguntando para o André.

Enoch Filho disse...

É um alento saber que nunca é tarde pra recomeçar, he he he.

Guilherme, dia desses vi pela TV a entrevista de um neurocirurgião e o que ele dizia calha com seu texto.

Mas ele falava que a capacidade do nosso cérebro é a mesma de séculos atrás. Só que hoje temos mais recursos para desenvolver essas capacidades...

Sobre a "modificar o ambiente de aprendizado e entender de que modo isso está relacionado a desempenho. ", não seria bom consultar as pedagogas?

=)

Guilherme Lichand disse...

pois é Enoch, outro dia troquei emails com uma psicóloga interessada em pedagogia sobre a importância do ranking das escolas... ela ficou insistindo que rankings não serviam para nada, e que o importante são os valores que a escola transmite, e que QE é muito mais importante que QI - embora ninguém saiba como medi-lo.

Enfim, certamente pedagogos e psicólogos devem ter muito a contribuir para a discussão, mas vários deles estão pouco dispostos a fazer qualquer concessão dentre as muitas que precisamos fazer para ter pelo menos algum substrato para formulação de políticas.

Mensurações são imperfeitas, bens públicos (como o ranking de escolas) tem problemas, mas dificilmente esse pessoal pensa em termos de custos alternativos: a ausência de medidas nos deixa sem nada; a ausência de qualquer ranking nos deixa com soluções privadas para o problema de informação, que podem aproximar mal a solução eficiente diante da falha de mercado presente, tornando essa busca ainda mais custosa.

Enfim, talvez eu poste a nossa troca de emails...

Sr Furtado disse...

Sem querer desmerecê-los em todo seu conhecimento main-stream, mas vocês por acaso conhecem Thorstein Veblen???
Acredito que 90% das indagações propostas já foram respondidas por ele a mais de 1 século atrás.... além é claro de toda a atual evolução científica da epigenética que só vem a confirmar o pensamento de Veblen..
abraços, sr furtado.

Tiago Caruso disse...

Lichand,

só discordo da crítica ao Darwin. Sermos todos da mesma espécie não implica que somos todos iguais. Além disso, a idéia iluminista de auto-determinação está mais para um dever-ser do que para um juízo de fato.

Acho bem interessante as recentes descobertas que você menciona. Acredito que o estado de São Paulo pode sair na frente se começar a implementar esses testes.

Seu comentário sobre pedagogos está perfeito. Ou se faz análise quantitativa ou se fica na retórica.

Tiago Caruso disse...

Furtado,

esqueceu de dizer que o Veblen também previu a gripe suína.

Sr Furtado disse...

Caro caruso, me referia à questão do último tópico, se as capacidades humanas são determinadas a priori ou são moldadas pelo ambiente. Veblen tem um arcabouço teórico muito rico a respeito do tema. Respeite o sr Furtado, até porque ele assumiu que era o ladrão da Vila, inocentando o pobre do Chaves....

Bernard Herskovic disse...

Lichand,
Excelente post. Eu acho que esse tipo de pesquisa (a mencionada de SP) são extremamente importantes uma vez que podem dar idéias muito boas de como otimizar o ensino, porém acredito que o grau de heterogeneidade entre as pessoas é muito grande e provavelmente não existe uma solução fechada para o ensino ideal.

Caruso,
Creio que T. Veblen não previu a gripe suína, mas a espanhola... heheh

Caro Sr. Furtado,
“Acredito que 90% das indagações propostas já foram respondidas por ele a mais de 1 século atrás....” O senhor não está sendo sem noção? Veblen, a meu ver, tem excelentes “insights” sobre o ser humano e sobre economia, a teoria da classe ociosa é excepcional, contudo assim como tudo em economia, muita coisa é retórica e mesmo assim eu acredito. Afirmar que o caro tem respostas para tudo é meio forte, é por isso que alguns juram que cada pessoa tem uma função utilidade...

PS. Mozart foi um gênio. Quase nenhum compositor conseguiu fazer o que ele fez até hoje, não acho que seja um “produto”. Não falo de suas composições quando criança, mas de toda sua obra (principalmente quando o K. aumenta). Por exemplo, os 6 quartetos dedicados a Haydn são geniais.

Herskovic.

M disse...

espectro sempre antecipando tendências:

http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/0,,EMI72166-15224,00-PERGUNTAS+SOBRE+A+GENIALIDADE.html

Anônimo disse...

totalmente off topic só pra zoar o trouxa que acha que não é vantagem ser empregado público:

Na Folha

"Os trabalhadores do setor privado estão perdendo a corrida para os funcionários públicos em termos de rendimentos. De dezembro de 2002 a fevereiro de 2009, o crescimento dos salários do setor privado, com e sem carteira, foi de apenas 8,7% em termos reais, isto é, descontada a inflação de 43,3% no período. O aumento real da remuneração média dos servidores na ativa do Executivo Federal, no mesmo período, foi 8,5 vezes maior do que a do setor privado, atingindo 74,2%. O aumento real da remuneração na ativa do Legislativo chegou a 28,5%, e o do Judiciário foi de 79,3%.
Com isso, a diferença entre o rendimento médio do setor privado e do público, que já era grande, cresceu ainda mais. Em dezembro de 2002, a remuneração média do servidor federal na ativa do Executivo, de R$ 2.680 (valor da época), era 3,6 vezes maior do que o rendimento médio de R$ 740,90 do setor privado. Em fevereiro de 2009, a ganho mensal médio no Executivo federal pulou para R$ 6.691, ou 5,8 vezes maior do que o rendimento médio do setor privado, de R$ 1.154.
No mesmo período, no caso do Legislativo, que teve remuneração mensal média de R$ 12,5 mil em fevereiro de 2009, o rendimento saltou de 9,2 para 10,9 vezes o do setor privado. Já no Judiciário, com remuneração média mensal de R$ 16,8 mil em fevereiro, o salto foi de 8,8 para 14,6 vezes."