domingo, 27 de setembro de 2009

Sem ingresso para a Copa?*

* post escrito por Guilherme Lichand e Augusto Vanazzi. Editado por Victor Freitas.

Algo que deixa qualquer fã de esporte irritado é não conseguir ingresso para um jogo importante porque não tinha mais à venda na bilheteria, e depois, descobrir que o estádio não encheu porque parte dos ingressos estava na mão de cambistas.

Essa preocupação é especialmente relevante quando teremos as próximas Copas do Mundo sediadas em países subdesenvolvidos, países cujos mercados estão especialmente sujeitos à atuação desses intermediários informais.

Os cambistas são quase unanimemente vistos como grandes vilões, responsáveis por preços inflados e estádios parcialmente vazios. Neste post, argumentamos que sob determinadas hipóteses, a existência de cambistas permite um movimento Pareto-superior em relação a uma situação em que não existem vendas informais. Ainda, introduzindo hipóteses mais realistas, concluímos que se é possível que a presença de cambistas piore o bem-estar agregado, a criação de um mercado privado de intermediação permitiria alcançar o primeiro melhor.

Modelo estático

O número de assentos em qualquer estádio é um bem com oferta limitada. Sabemos que filas não são mecanismos socialmente eficientes nessa situação, uma vez que, a demanda é superior à oferta de bens limitados. Nesse sentido, o cambista 'single-lived' representa um movimento Pareto superior, já que pode ser modelado exatamente como um leilão: os ingressos serão alocados àqueles com maior disposição a pagar por eles.

Os estádios nunca ficariam vazios (desde que a demanda potencial não seja menor que a oferta, claro!). Para o cambista é ótimo vender o ingresso por qualquer preço positivo, nunca ocorrerá o caso em que há demanda, mas o cambista 'morre com o ingresso na mão'.

Se há informação comum sobre a demanda potencial, o cambista compra somente a quantidade de ingressos que acredita que possa vender, por preço superior ao custo (o preço de bilheteria).

Modelo dinâmico

Agora, 'morrer com ingresso na mão' pode ser uma resposta ótima para o cambista, no sentido de introduzir incentivos dinâmicos; Se os compradores souberem que o preço tende ao preço de bilheteria, à medida que o jogo se aproxima, ninguém estará disposto a pagar mais do que esse preço. O mecanismo é justamente o da conjectura de Coase: o cambista precisa introduzir uma distorção, limitando suas vendas ex-ante, para apropriar rendas ex-post.

Discussão: desenho de mecanismo para venda de ingressos

Mesmo quando o cambista é socialmente eficiente, quem apropria o excedente social é o intermediário, ao invés da concessionária que gere o estádio. Não seria ótimo vender os ingressos (pelo menos uma parte deles) através de leilões (na internet, por exemplo)? Assim, além de evitar o problema de estádios vazios e torcedores revoltados, a organização do evento apropriaria as rendas do cambismo, institucionalizando o mecanismo de mercado que hoje é feito via mercado negro. Por que não?


terça-feira, 22 de setembro de 2009

Zelaya na Embaixada do Brasil em Honduras

Será que Zelaya voltará ao poder?

Será que surpreendentemente a oligarquia golpista será expulsa do poder?

Creio a volta de Zelaya à Honduras e a pressão internacional para o fim do golpe tornem a posição dos golpistas insustentável.

sexta-feira, 18 de setembro de 2009

Pnad 2008


Hoje foi divulgada a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) de 2008. Alguns dados interessantes, como a redução do analfabetismo no Nordeste de 0,5% em relação à porcentagem de 2007 (que ainda assim continua muito elevado: 19,5% da população do NE; em particular, 5,3% das crianças que deveriam estar alfabetizadas, contra menos de 1,5% de Centro-Oeste, Sul e Sudeste).

Destaco abaixo os dados de trabalho infantil:


Pouco mais de 10% da população entre 5 e 17 anos trabalha. Acho muito interessante destacar que a despeito disso mais de 80% continuam na escola. Na verdade, estudos para o Brasil mostram que até 14 anos trabalho e escola não são excludentes, com quase 100% das crianças e adolescentes matriculados.

A partir dos 15 é que trabalho passa a significar abandono do estudo, o que a tabela não permite observar diretamente, mas que pode ser visto através da participação do rendimento desses adolescentes no rendimento familiar: a partir de 16 anos, o rendimento desses jovens passa a responder por quase a totalidade da sua parcela da renda per capita domiciliar. Ainda, outra face desse fato é que a partir dos 14 os adolescentes passam a ocupar-se substancialmente menos em atividades agrícolas para integrar a mão-de-obra urbana, como também ilustra a tabela.

Você esperava alguma coisa diferente?

Link aqui.

domingo, 13 de setembro de 2009

Brasil o 129º melhor país do mundo para se fazer negócios

Saiu essa semana o novo ranking do "Doing Business", um órgão do Banco Mundial que calcula o quão fácil é começar, terminar e gerir uma empresa mundo a fora. Comemoremos, somos o 129º melhor país do mundo para para se fazer negócios.

Ironias a parte, o que me causa irritação é a preguiça mental de vários economistas brasileiros para explicar algumas razões do nosso atraso. Quando perguntam por que o Brasil não cresce como outros países, muitos economistas se limitam a fazer comentários sobre a taxa de câmbio ou juros mantendo o debate em um nível superficial.

Crescemos pouco porque temos insitituições ruins, porque nossa burocracia é muito grande, maior que a maioria de nossos concorrentes. Para ilustrar o atraso: somos o 126º melhor país para se começar um negócio, o 113º para se conseguir permissões para construir, o 138º para se contratar empregados (depois perguntam por que o desemprego estrutural é tão alto) e o 150º melhor país do mundo para se pagar impostos.

O doing business acompanha de perto as mudanças em cada país. Sobre o Brasil em 2009 a instituição escreveu:

"Brasil facilitou o processo de começar negócios ao remover a necessidade de se obter licença e inspeção do corpo de bombeiros antes de se obter a licença das prefeituras"

É pouco. Na verdade muito pouco tem sido feito no Brasil nesse sentido. A China, apesar do governo ditatorial, figura em 89º no ranking. Mas basta de comparações com a China. Para olhar bons exemplos não precisamos ir longe: Colômbia figura em 37ª no Ranking e vem melhorando.

Só no último ano o governo colombiano: facilitou a obtenção de licença para construção; melhorou as regras do acesso a crédito; introduziu o nota fiscal eletrônica e reduziu alguns impostos; fortaleceu a governança corporativa permitindo que diretores de empresas fossem processados em caso de fraude; permitiu o registro de propriedade e de novos empregados on-line e acabou com o imposto sobre registros.

Mas vamos continuar discutindo taxa de juros e câmbio...

quinta-feira, 10 de setembro de 2009

Guerras Corporativas

Dei uma procurada no google e não achei nada, então vou ter que lançar minha idéia polêmica sem me apoiar em ninguém. Eu acho que dá para interpretar as guerras tradicionais como "trocas de controle", onde um estado se endivida para "adquirir o controle" de outro estado, do mesmo jeito que firmas fazem isso para adquirir o controle sobre outras firmas. Tal qual o caso corporativo, o estado "comprador" não necessariamente se apropria do fluxo de caixa (impostos) do estado "comprado", mas ele coloca no governo pessoas de confiança ou mesmo ocupa o estado "comprado" (indicações de diretores para o Board ou mesmo de um novo CEO).

Claro que hoje em dia temos várias guerras com outros intuitos, como as promovidas pelas tropas da ONU. Mas ainda sim temos muitos exemplos de guerras "old school", como as duas invasões recentes dos EUA, a intervenção dos EUA no Panamá em 89, os dois conflitos recentes entre Rússia e Chechênia, a guerra entre Iugoslávia e Kossovo, China e Vietnã em 89 e por aí vai.

Não sei até onde a analogia pode ir, mas a existência de um "mercado de controle" (mercado de fusões e aquisições) é visto como uma boa coisa pelo pessoal de finanças corporativas. A possibilidade de ser comprado disciplina os controladores das firmas, fazendo com que eles dispensem um tratamento mais igualitário aos minoritários. Além disso, o mercado percebe como mais promissoras compras financiadas com dívida em detrimento de equity. Será que, por exemplo, o impacto do anúncio de uma guerra tem mais impacto negativo na taxa de câmbio do país atacante quando o financiamento é via impostos do que quando o financiamento é via dívida?

quarta-feira, 2 de setembro de 2009

Pré-sal: concessão VS. partilha

É intenso o debate sobre o marco regulatório que vai orientar a exploração econômica das reservas na região do pré-sal. Se até aqui o Brasil utilizava o regime de concessão, a proposta para o pré-sal é utilizer o sistema de partilha.

O tom da discussão tem sido basicamente empirista: argumenta-se que os países que utilizam o regime de partilha são aqueles com pior arcabouço institucional (veja aqui). A parte de questões como o timing diferenciado dos pagamentos entre os regimes, que acho que tem mais a ver com economia política, o debate tem deixado de lado a teoria econômica por detrás de cada modalide de regulação.

Pongsiri (2004)
analisa sob a perspectiva de contratos incompletos que cada modelo permite atender a objetivos diferentes no que diz respeito a controle e provisão de incentivos:

"Development rights can be divided into two basic contract types:

  1. concession licenses; and
  2. contractual arrangements.

The differences between them arise from different attitudes towards levels of control granted to companies, compensation and reward-sharing schemes, including levels of involvement by governments (Johnston, 1994a; Bindemann, 1999). Under concession licenses, the state owns all mineral resources but the rights to produce the minerals will be granted in exchange for a royalty payment and income taxation from the company to the government. The most common type of contractual arrangement is the production-sharing contract (PSC). Under a PSC, mineral resources are owned by the state, which brings in a foreign company as a contractor to provide technical and financial services for exploration and development operations. The foreign company usually assumes the entire exploration cost risk, and receives a specified share of production as a reward for its initial investment, operating expenses, and the work performed."

Uma descrição mais detalhada do modelo de partilha:

"PSCs are widely used in developing and transitional economies as they are in line with government aspirations to be more proactive and involved in managing the oil and gas resources. The most common combination of agents in a PSC is a host government, or one of its authorities such as the national oil company (NOC), and an international oil company (IOC) which can be an individual firm or a joint venture or a consortium. PSCs generally require the establishment of a partnership organisation between the public and private sectors to monitor operations and participate in decisions regarding production levels and accounting practices. The aim of the partnership effort is to ensure that both parties bring different strengths to the relationship to utilise known sources of energy in the most economical and effective way. In strong and active partnerships, both parties benefit from co-operation. "
E porque as empresas tem associado ao modelo de partilha elevado risco regulatório:

"However, the main aim of the IOC as a private entity is profit maximisation, whereas the NOC of the host country is mainly interested in maximising economic values of the owned resources. As a result, it is not surprising that the objectives of the two frequently clash (Bindemann, 1999). Conflicting views may lead to renegotiation of contracts and less efficient running of the business. Provan (1984) suggests that the formation of partnering relationships between two distinct organisations often leads to some negative outcomes such as increasing complexity, loss of decision-making autonomy, and information asymmetry. In addition, cultural and institutional differences, together with the uncertainties over risk and reward sharing, can also constitute a serious threat to successful partnerships (Jacobs, 1992). This may cause considerable tensions in relationships as the government may seek to alter the IOC's priority towards the NOC to achieve its own organisational goals; for example, by altering energy pricing provisions to reflect and accommodate macroeconomic needs. Mikesell (1975) also found that disagreement often arises if the government changes existing legislation and applies the new rules to existing contractual agreements such as increases in taxation of the IOC contractor and changes in the split of revenue between the IOC and the NOC."
E a conclusão:

"success of PSCs will be not only determined by the willingness of the government to encourage and support the IOC investment on the PSC terms, but also to align the incentives of the IOC over the life of the contract and maximise the economic value of the resources without repeated re-contracting."
Na minha visão, os requisitos para obtenção desse mix ótimo de flexibilidade e garantia de apropriação de retornos, fundamentais para o sucesso do modelo de partilha, são:

(1) acesso à justiça, i.e., capacidade de escrever contratos que sejam observados pelas cortes mesmo em estados da natureza não contidos em jurisprudência, e que sejam garantidos em contingências suficientemente próximas daquelas contratáveis;
(2) independência do Judiciário em relação ao Executivo.

Acho que discutir (1) e (2) como pré-condição para o modelo de partilha vai muito mais ao ponto do que focar a discussão num problema de antecipação ou não de receitas.