segunda-feira, 31 de agosto de 2009

Confundindo o Inconfundível

Acabei de ver um Gráfico que me surpreendeu bastante. Os dados vêm do Bureau of Economic Analysis do Departamento de Comércio americano. A elaboração é do blog Cato @ Liberty, ligado ao Cato Institute (mais informação no verbete da wikipedia). E o Gráfico é o seguinte:

Como o título diz, essa é a evolução ao longo do Governo Bush de salários+benefícios médio no setor privado e entre servidores federais (as curvas de salários somente apresentam o mesmo formato). Como já discutido aqui no blog para o caso brasileiro, existe o problema grave de não se levar em conta a escolaridade relativa. Porém, como também já foi dito por aqui, não parece razoável que em 8 anos haja uma mudança tão forte na escolaridade relativa.

Eu não consigo imaginar qual a força motriz por trás deste padrão. Se o aumento do "gap" fosse causado por estagnação do setor privado, faria mais sentido. Ou se a quantidade de servidores federais estivesse diminuindo, poderia ser que os que estavam saindo tivessem menos escolaridade, mas o número de servidores quase não variou no período (ver esta tabela).

Como lembrado pelo "Jake" do EconomPic neste post, o padrão faz ainda menos sentido se lembrarmos que os salários do setor privado são mais voláteis, logo, deveriam embutir um prêmio pelo risco.

Videos Sobre Economia

Estou tentando criar uma lista de bons vídeos sobre Economia, seja teoria ou história econômica, ortodoxos ou heteroxodos, no brasil ou no mundo. Listo os que eu já vi e que são razoavelmente bem feitos e merecem ser vistos (apesar de em geral eu não concordar com as conclusões tiradas por serem liberais demais, quase libertários). Acho que todos estão disponíveis na net para download (torrent, emule) ou no you tube. Queria sugestões para ampliar a lista.

- Commanding Heights: The Battle for the World Economy (2002) (baseado em livro de Daniel Yergin, 2002). Tenta recontar a história economica do século XX, mostrando o embate entre as idéias de mercados auto-regulados (defendidos pelo documentário) e economias mais planejadas (bloco soviético, políticas keynesianas).

- Free to Choose ( Milton e Rose Friedman, 1980, baseado em livros dos mesmos). São 10 episódios. Mostra na hitória recente o sucesso dos mercados (HK, EUA) e falência da intervenção estatal (Índia, grande depressão) e comenta sobre temas da agenda política americana (liberalização das drogas, regressividade dos impostos, sindicatos, sistema educacional). Bem caricatural. No final de cada episódio tem um debate entre o Friedman e alguém do campo oposto incluindoalguns economistas renomados. Foi influente e fez parte da campanha política que viabilizou a eleição e políticas do Regan.

- The Age of Uncertainty (Galbraith 1977). Este eu ainda nao consegui ver (to baixando agora) mas que parece que é o outro lado da moeda (do partido democrata, keynesiana): .

No Brasil:

- Laboratorio Brasil (aqui) (TV Câmara, 2007. Direção de Roberto Stefanelli). Conta a história da formulação dos planos economicos dos anos 80 em diante e algumas histórias de bastidores (sugestão do Theo).

- O Último Trem Para Paris. Sobre a história economica do brasil dos anos 50-até os 80. Organizado por Reis Velloso. No fim de cada episódio tb há um debate com alguns economistas importantes. Nao consegui achar na net, tem na biblioteca do Insper (antigo IBMEC-SP)

Diversão:

- TV Pirata: Piada em Debate, debate entre economista, socióloga, botafoguense fanático e papagaio. (aqui)

Os leitores tem mais sugestões?

sábado, 29 de agosto de 2009

Reforma Urbana: trator resolve?

Apesar da baixa repercussão e crítica na mídia, houve no início desta semana uma reintegração de posse na zona sul de São Paulo (aqui, aqui). Teve polícia, incêndio (aqui), bebe seqüestrado (aqui), pessoas perdendo os seus bens/moradias, aulas suspensas (aqui), Anistia Internacional pedindo protestos (aqui), pouco protesto, e, também, o dono do terreno com o seu terreno devolvido (aqui). O direito de propriedade deve ser respeitado. Expropriar as pessoas dessa forma, melhora a situação, ou consolida o modelo atual? Porque não usar mais os instrumentos existentes para reduzir o déficit habitacional, ou mesmo criar mecanismo compatíveis em incentivos? A meu ver, um dos desafios mais difíceis e importantes para o Brasil é fazer uma reforma urbana de maneira sustentável.

terça-feira, 25 de agosto de 2009

Esquizofrenia Política

Enquanto o principal candidato do PSDB defende políticas "petistas" como controle cambial e controle sobre o Banco Central, um provável futuro candidato do PT defende políticas "tucanas". Ontem pela manhã, num encontro do setor produtor de aço, Palocci defendeu um Estado menor, comentou sobre a ineficácia de barreiras à entrada de capital para controlar a taxa de câmbio, lembrando que a mesma deve se estabilizar em um nível menos valorizado na medida em que o diferencial de juros internos e externo diminuir e, pasmem, na medida em que a situação fiscal melhorar. Parece até o Fábio Giambiagi falando. Reportagem aqui.

Depois dos últimos 15 anos parecia que o Brasil tinha chegado numa configuração parecida com a americana. Dois grandes grupos, um mais à esquerda e outro mais à direita, cada qual com subgrupos representando posições mais moderadas e mais radicais. Mas com esse tipo de declaração eu não sei se na verdade o nosso sistema continua uma grande bagunça ou se eu que não entendo de política.

quinta-feira, 20 de agosto de 2009

O debate sobre inflação e crescimento

Já tinha ouvido falar que, apesar do grande consenso em torno da necessidade de controle da inflação, a evidência empírica parece descartar efeitos nocivos desta sobre crescimento até níveis moderados de aumento dos preços. Resolvi hoje ir atrás das evidências.

Nesse momento em que inflação não é preocupação primária, esse post pode parecer meio fora de lugar. Mas acho que pode permitir uma discussão interessante sobre credibilidade do BC, bem como sobre nível de gasto compatível com uma taxa de inflação tolerada mais elevada.

Evidência 1: Nonlinear Effects of Inflation on Economic Growth, by Michael Sarel © 1996 International Monetary Fund.

This paper examines the possibility of nonlinear effects of inflation on economic growth. It finds evidence of a significant structural break in the function that relates economic growth to inflation. The break is estimated to occur when the inflation rate is 8 percent. Below that rate, inflation does not have any effect on growth, or it may even have a slightly positive effect. When the inflation rate is above 8 percent, however, the estimated effect of inflation on growth rates is significant, robust, and extremely powerful. The paper also demonstrates that when the existence of the structural break is ignored, the estimated effect of inflation on growth is biased by a factor of three.

Contra-Evidência 1: Warning: Inflation May Be Harmful to Your Growth, by Atish Ghosh and Steven Phillips © 1998 International Monetary Fund.

While few doubt that very high inflation is bad for growth, there is less agreement about the effects of moderate inflation. Using panel regressions and allowing for a nonlinear specification, this paper finds a statistically and economically significant negative relationship between inflation and growth, which holds robustly at all but the lowest inflation rates. A "decision-tree" technique identifies inflation as one of the most important determinants of growth. Finally, short-run growth costs of disinflation are only relevant for the most severe disinflations, or when the initial inflation rate is well within the single-digit range.


Evidência 2: Threshold Effects in the Relationship Between Inflation and Growth, by Mohsin S. Khan and Abdelhak Senhadji 2000 © International Monetary Fund (IMF)

This paper reexamines the issue of the existence of threshold effects in the relationship between inflation and growth, using new econometric techniques that provide appropriate procedures for estimation and inference. The threshold level of inflation above which inflation significantly slows growth is estimated at 1-3 percent for industrial countries and 7-11 percent for developing countries. The negative and significant relationship between inflation and growth, for inflation rates above the threshold level, is quite robust with respect to the estimation method, perturbations in the location of the threshold level, the exclusion of high-inflation observations, data frequency, and alternative specifications.

Evidência 3, mais atual: Barro (2001) "Handbook of monetary and fiscal policy"

Utiliza variáveis instrumentais para dar conta da endogeneidade da inflação, encontrando efeito significativo e negativo sobre crescimento, mas de magnitude bastante reduzida: um aumento de 10 pontos percentuais da inflação reduziriam o PIB em 0.2% ao ano, em média.

Resumo da ópera: A despeito da contra-evidência 1, parece haver emergido relativo consenso de que, excetuando-se episódios de inflação realmente elevada:

(i) se houver efeito negativo de inflação sobre produto, este é bastante pequeno;
(ii) parece haver um threshold abaixo do qual não há trade-off entre inflação e crescimento;
(iii) esse threshold parece ser mais alto para economias em desenvolvimento!

E agora?

segunda-feira, 17 de agosto de 2009

Natural?

Continuando a briguinha ortodoxos vs. heterodoxos, eu fico realmentre triste quando ouço que "a economia está perdendo contato com a realidade e se tornando um ramo da matemática aplicada". Eu entendo duas coisas neste tipo de afirmação. Primeiro, a teoria econômica estaria ficando incompreensível para leigos, logo, irrelevante. Segundo, matemática (avançada) é simplesmente uma abstração boba que não serve para nada.

Como todo economista (ortodoxo), eu tenho inveja da física. E como os físicos, aprendi que soluções simples e elegantes são melhores. Então eu vou dar um contra-exemplo que eu acho simples e elegante sobre como um "ramo da matemática aplicada" é essencial para a civilização.

Existem uns experimentos muito interessantes sobre como os animais percebem quantidades. O desenho é em geral da seguinte forma. Suponha que estamos tratando de macacos. Macacos gostam de banana, então, se um macaco pode escolher entre duas caixas cheias de bananas, ele vai escolher a caixa que tenha mais bananas. Então os cientistas pegam caixas diferentes que o macaco consiga identificar e coloca quantidades diferentes de banana em cada uma, de maneira que o macaco veja quantas bananas estão sendo colocadas. Depois, o cientista permite que o macaco escolha uma das caixas.

O resultado é que diferentes animais sabem "contar" até 3. Ou até 5. Ou até 7. Mas nunca até 21, por exemplo. O que acontece é que quando o macaco vê duas bananas sendo colocadas em uma caixa e uma banana sendo colocada na outra, ele sabe que 2 é maior do que 1. Mas quando ele vê 12 bananas sendo colocadas em uma caixa e 23 em outra, pra ele as duas quantidades são simplesmente "muitas banas", e ele não consegue lembrar, ou saber, qual é maior.

Esse historinha serve para mostrar que os números naturais são uma abstração. Eles não "existem" na natureza. São "um ramo da matemática aplicada", uma parte da "teoria algébrica". Acredito que o mesmo experimento feito com bebês humanos daria o mesmo resultado que o experimento com macacos. Mas feito com um adulto, evidentemente, daria um resultado diferente. Isso porque todo mundo aprende, antes mesmo de ir à escola, a contar e a associar cada número com uma quantidade. Assim nós sabemos que 23 é maior do que 12.

É possível inventar outras historinhas dessas para os números inteiros, racionais, reais, imaginários e várias outras centenas de "ramos da matemática aplicada" que, por acaso, tem muito a ver com a realidade.

Útil, não é? Tem bastante contato com a realidade, não tem? Mas aposto em em 12 mil antes de cristo, quando um pastor "inventou" os números naturais e começou a encher um saco com uma pedra para cada ovelha do rebanho, o pastor do rebanho ao lado olhou e disse "Que inútil. Isso não serve para nada."

sexta-feira, 7 de agosto de 2009

Gabriel Buchmann responde a Michel Foucault



Na Genealogia da Ética, Michel Foucault perguntou:

"- O que me impressiona é o fato de que em nossa sociedade, arte se tornou algo ligado somente a objetos e não a indivíduos. Que arte seja algo somente para experts ou artistas. Mas por que não pode a vida de alguém se tornar uma obra de arte?"

- Ela pode, Foucault. Ele pôde.

Saudades.

terça-feira, 4 de agosto de 2009

A pergunta da rainha

A Rainha Elizabeth II perguntou como foi que os economistas permitiram que a crise mundial acontecesse. Uma comissão de 'outstanding economists' da LSE respondeu que a inação derivou de "uma falha da imaginação coletiva de muitas pessoas brilhantes" (matéria completa aqui).

A resposta deixa a desejar e chega a suscitar a questão de para que servem os economistas, à qual o Financial Times ofereceu algumas respostas. Tratarei aqui de duas questões ligeiramente diferentes que, acredito, permitem respostas muito mais interessantes: qual o papel dos consumidores de teoria econômica? E qual o papel dos produtores de teoria econômica?

Produtores
Os produtores de teoria econômica são os pesquisadores acadêmicos vinculados às principais instituições mundiais de pesquisa em Economia. Inseridos em determinado programa de pesquisa, há duas estratégias de sobrevivência (em termos de Pierre Bourdier): (i) de continuidade do programa de pesquisa, derivando resultados periféricos que basicamente constituem desdobramentos das hipóteses e métodos que constituem o núcleo duro do programa, e (ii) de ruptura do programa de pesquisa, que consiste na introdução de novas hipóteses ou métodos que desafiam os anteriores.

Evidentemente, a segunda estratégia é limitada por uma série de fatores:
- a profissão é auto-referenciada, isto é, para publicar é necessário ter artigo aprovado por pares que partilham do programa de pesquisa atual;
- ligado ao primeiro ponto, a publicação em economia é norteada por um princípio de consistência interna, de maneira que a linguagem e método utilizados devem corresponder à prática aceita pela profissão;
- o destino dos recursos necessárias para realização de pesquisa (incluindo salários) é também determinado por pares que partilham do programa de pesquisa corrente.

Fica claro que, ainda que rupturas eventualmente tomem corpo, o trabalho cotidiano do produtor de ciência econômica se concentra em desenvolver perifericamente o programa de pesquisa, se possível para responder questões econômicas relevantes (que dizem algo a respeito do mundo).

Não é seu papel - no sentido que não constitui projeto viável dentro do programa de pesquisa - desenvolver uma teoria completa sobre o mundo, ou combinar diferentes abordagens de maneira a aproximar uma suposta verdade. Uma análise cuidadosa da História da evolução dos programas de pesquisa em Economia mostra que seu desenvolvimento foi sempre pontuado por questões políticas e ligadas à possibilidade de funding - como mostrou a excelente exposição de Philip Mirowski no 1º Simpósio Internacional sobre História do Pensamento Econômico, organizado pela USP -, sofre influências externas a seu programa de pesquisa - como a co-evolução do Equilíbrio Geral de Arrow-Debreu e do modelo IS-LM de Hicks, segundo Wade Hands, no mesmo simpósio - e nem sempre caminha linearmente, muito menos no sentido de progresso - conforme pensava Lucas, na visão criticada por Kevin Hoover, também nesse seminário, acerca da microfundamentação da Macro.

Mesmo os inicidos em filosofia da Ciência muitas vezes se esquecem que, na prática os pesquisadores em economia estão sujeitos aos mesmos princípios que orientam a evolução de qualquer outra Ciência.

Consumidores
De outro lado, os consumidores de teoria econômica, sobretudo os formuladores de política, têm por papel selecionar as teorias adequadas, bem como os elementos relevantes da teoria, para dar suporte à atividade de solução de problemas que responde a alguma demanda real.

Em outras palavras, uma vez que se entenda que o programa de pesquisa mainstream não possui monopólio da verdade ou da validade das teorias, pelo que se disse acima - teorias não são selecionadas porque se aproximam mais da verdade que outras, mas porque respondem de forma mais aceitável a uma determinada questão segundo critério da comunidade científica que subscreve àquele programa de pesquisa; mais do que isso, persistem no tempo em função de path-dependency, até que possivelmente não mais configurem a resposta mais adequada às questões agora tidas como relevantes - a responsabilidade pelo mau uso da teoria remete aos consumidores, e não aos produtores de teoria econômica.

Não há qualquer fundamento na asserção de que as idéia de Minsky ou Kindleberger tenham perdido validade, ou se aproximam menos da verdade, ou dizem menos sobre o mundo, simplesmente porque não foram incorporadas ao programa mainstream.

Se os modelos DSGE mais avançados não dão conta de externalidades macroeconômicas e da possibilidade de falências, instabilidade e crises (Robert Gordon, também no excelente simpósio da USP), isso não é motivo para que os policy-makers tenham ignorado os efeitos deletérios da 'Grande Moderação' sobre a gestão de risco das instituições financeiras. Os policy-makers que em 1987 rejeitaram a substituição do Glass-Steagal Act enumeraram uma a uma as consequências que estariam ligadas a essa reforma e que se materializaram na crise de 2008.


Conclusões
Uma resposta mais adequada à pergunta da rainha é que houve uma enorme falha dos consumidores de teoria em fazer uma leitura adequada da realidade a partir do universo teórico disponível (cujo paradigma, aliás, não sofreu alterações substantivas desde 1987).

Alternativamente, a resposta dos 'outstanding economists' aponta o dedo para os produtores , como que esperando deles a concepção de uma teoria que reflita somente 'verdade' . No máximo, 'wishful thinking' - para concluir como gostam os ingleses.

O suicídio de Cambridge

Nota curta
A universidade de Cambridge, na Inglaterra, vem passando por uma reformulação radical nos últimos anos. Antes referência mundial do pensamento heterodoxo, somente Gabriel Palma e Ha-Joon Chang sobreviveram no departamento de Economia.
O objetivo era se converter em uma referência mundial do pensamento ortodoxo, mas o que se viu foi Cambridge retroceder à 5ª posição do ranking nacional (veja aqui). Também, pudera: a re-estruturação era uma impossibilidade lógica. Cambridge adotou uma estratégia de "proteção à indústria nascente" na tentativa de desenvolver um centro ortodoxo.