A Rainha Elizabeth II perguntou como foi que os economistas permitiram que a crise mundial acontecesse. Uma comissão de 'outstanding economists' da LSE respondeu que a inação derivou de "uma falha da imaginação coletiva de muitas pessoas brilhantes" (matéria completa
aqui).
A resposta deixa a desejar e chega a suscitar a questão de para que servem os economistas, à qual o Financial Times ofereceu algumas respostas. Tratarei aqui de duas questões ligeiramente diferentes que, acredito, permitem respostas muito mais interessantes: qual o papel dos consumidores de teoria econômica? E qual o papel dos produtores de teoria econômica?
ProdutoresOs produtores de teoria econômica são os pesquisadores acadêmicos vinculados às principais instituições mundiais de pesquisa em Economia. Inseridos em determinado programa de pesquisa, há duas estratégias de sobrevivência (em termos de Pierre Bourdier): (i) de continuidade do programa de pesquisa, derivando resultados periféricos que basicamente constituem desdobramentos das hipóteses e métodos que constituem o núcleo duro do programa, e (ii) de ruptura do programa de pesquisa, que consiste na introdução de novas hipóteses ou métodos que desafiam os anteriores.
Evidentemente, a segunda estratégia é limitada por uma série de fatores:
- a profissão é auto-referenciada, isto é, para publicar é necessário ter artigo aprovado por pares que partilham do programa de pesquisa atual;
- ligado ao primeiro ponto, a publicação em economia é norteada por um princípio de consistência interna, de maneira que a linguagem e método utilizados devem corresponder à prática aceita pela profissão;
- o destino dos recursos necessárias para realização de pesquisa (incluindo salários) é também determinado por pares que partilham do programa de pesquisa corrente.
Fica claro que, ainda que rupturas eventualmente tomem corpo, o trabalho cotidiano do produtor de ciência econômica se concentra em desenvolver perifericamente o programa de pesquisa, se possível para responder questões econômicas relevantes (que dizem algo a respeito do mundo).
Não é seu papel - no sentido que não constitui projeto viável dentro do programa de pesquisa - desenvolv
er uma teoria completa sobre o mundo, ou combinar diferentes abordagens de maneira a aproximar uma suposta verdade. Uma análise cuidadosa da História da evolução dos programas de pesquisa em Economia mostra que seu desenvolvimento foi sempre pontuado por questões políticas e ligadas à possibilidade de funding - como mostrou a excelente exposição de Philip Mirowski no 1º Simpósio Internacional sobre História do Pensamento Econômico, organizado pela USP -, sofre influências externas a seu programa de pesquisa - como a co-evolução do Equilíbrio Geral de Arrow-Debreu e do modelo IS-LM de Hicks, segundo Wade Hands, no mesmo simpósio - e nem sempre caminha linearmente, muito menos no sentido de progresso - conforme pensava Lucas, na visão criticada por Kevin Hoover, também nesse seminário, acerca da microfundamentação da Macro
.
M
esmo os inicidos em filosofia da Ciência muitas vezes se esquecem que, na prática os pesquisadores em economia estão sujeitos aos mesmos princípios que orientam a evolução de qualquer outra Ciência.
Consumidores
De outro lado, os consumidores de teoria econômica, sobretudo os formuladores de política, têm por papel selecionar as teorias adequadas, bem como os elementos relevantes da teoria, para dar suporte
à atividade de solução de problemas que responde a alguma demanda real.
Em outras palavras, uma vez que se entenda que o programa de pesquisa mainstream não possui monopólio da verdade ou da validade das teorias, pelo que se disse acima - teorias não são selecionadas porque se aproximam mais da verdade que outras, mas porque respondem de forma mais aceitável a uma determinada questão segundo critério da comunidade científica que subscreve àquele programa de pesquisa; mais do que isso, persistem no tempo em função de path-dependency, até que possivelmente não mais configurem a resposta mais adequada às questões agora tidas como relevantes - a responsabilidade pelo mau uso da teoria remete aos consumidores, e não aos produtores de teoria econômica.
Não há qualquer fundamento na asserção de que as idéia de Minsky ou Kindleberger tenham perdido validade, ou se aproximam menos da verdade, ou dizem menos sobre o mundo, simplesmente porque não foram incorporadas ao programa mainstream.
Se os modelos DSGE mais avançados não dão conta de externalidades macroeconômicas e da possibilidade de falências, instabilidade e crises (Robert Gordon, também no excelente simpósio da USP), isso não é motivo para que os policy-makers tenham ignorado os efeitos deletérios da 'Grande Moderação' sobre a gestão de risco das instituições financeiras. Os policy-makers que em 1987 rejeitaram a substituição do
Glass-Steagal Act enumeraram uma a uma as consequências que estariam ligadas a essa reforma e que se materializaram na crise de 2008.
ConclusõesUma resposta mais adequada à pergunta da rainha é que houve uma enorme falha dos consumidores de teoria em fazer uma leitura adequada da realidade a partir do universo teórico disponível (cujo paradigma, aliás, não sofreu alterações substantivas desde 1987).
Alternativamente, a resposta dos 'outstanding economists' aponta o dedo para os produtores , como que esperando deles a concepção de uma teoria que reflita somente 'verdade' . No máximo, 'wishful thinking' - para concluir como gostam os ingleses.