quarta-feira, 2 de setembro de 2009

Pré-sal: concessão VS. partilha

É intenso o debate sobre o marco regulatório que vai orientar a exploração econômica das reservas na região do pré-sal. Se até aqui o Brasil utilizava o regime de concessão, a proposta para o pré-sal é utilizer o sistema de partilha.

O tom da discussão tem sido basicamente empirista: argumenta-se que os países que utilizam o regime de partilha são aqueles com pior arcabouço institucional (veja aqui). A parte de questões como o timing diferenciado dos pagamentos entre os regimes, que acho que tem mais a ver com economia política, o debate tem deixado de lado a teoria econômica por detrás de cada modalide de regulação.

Pongsiri (2004)
analisa sob a perspectiva de contratos incompletos que cada modelo permite atender a objetivos diferentes no que diz respeito a controle e provisão de incentivos:

"Development rights can be divided into two basic contract types:

  1. concession licenses; and
  2. contractual arrangements.

The differences between them arise from different attitudes towards levels of control granted to companies, compensation and reward-sharing schemes, including levels of involvement by governments (Johnston, 1994a; Bindemann, 1999). Under concession licenses, the state owns all mineral resources but the rights to produce the minerals will be granted in exchange for a royalty payment and income taxation from the company to the government. The most common type of contractual arrangement is the production-sharing contract (PSC). Under a PSC, mineral resources are owned by the state, which brings in a foreign company as a contractor to provide technical and financial services for exploration and development operations. The foreign company usually assumes the entire exploration cost risk, and receives a specified share of production as a reward for its initial investment, operating expenses, and the work performed."

Uma descrição mais detalhada do modelo de partilha:

"PSCs are widely used in developing and transitional economies as they are in line with government aspirations to be more proactive and involved in managing the oil and gas resources. The most common combination of agents in a PSC is a host government, or one of its authorities such as the national oil company (NOC), and an international oil company (IOC) which can be an individual firm or a joint venture or a consortium. PSCs generally require the establishment of a partnership organisation between the public and private sectors to monitor operations and participate in decisions regarding production levels and accounting practices. The aim of the partnership effort is to ensure that both parties bring different strengths to the relationship to utilise known sources of energy in the most economical and effective way. In strong and active partnerships, both parties benefit from co-operation. "
E porque as empresas tem associado ao modelo de partilha elevado risco regulatório:

"However, the main aim of the IOC as a private entity is profit maximisation, whereas the NOC of the host country is mainly interested in maximising economic values of the owned resources. As a result, it is not surprising that the objectives of the two frequently clash (Bindemann, 1999). Conflicting views may lead to renegotiation of contracts and less efficient running of the business. Provan (1984) suggests that the formation of partnering relationships between two distinct organisations often leads to some negative outcomes such as increasing complexity, loss of decision-making autonomy, and information asymmetry. In addition, cultural and institutional differences, together with the uncertainties over risk and reward sharing, can also constitute a serious threat to successful partnerships (Jacobs, 1992). This may cause considerable tensions in relationships as the government may seek to alter the IOC's priority towards the NOC to achieve its own organisational goals; for example, by altering energy pricing provisions to reflect and accommodate macroeconomic needs. Mikesell (1975) also found that disagreement often arises if the government changes existing legislation and applies the new rules to existing contractual agreements such as increases in taxation of the IOC contractor and changes in the split of revenue between the IOC and the NOC."
E a conclusão:

"success of PSCs will be not only determined by the willingness of the government to encourage and support the IOC investment on the PSC terms, but also to align the incentives of the IOC over the life of the contract and maximise the economic value of the resources without repeated re-contracting."
Na minha visão, os requisitos para obtenção desse mix ótimo de flexibilidade e garantia de apropriação de retornos, fundamentais para o sucesso do modelo de partilha, são:

(1) acesso à justiça, i.e., capacidade de escrever contratos que sejam observados pelas cortes mesmo em estados da natureza não contidos em jurisprudência, e que sejam garantidos em contingências suficientemente próximas daquelas contratáveis;
(2) independência do Judiciário em relação ao Executivo.

Acho que discutir (1) e (2) como pré-condição para o modelo de partilha vai muito mais ao ponto do que focar a discussão num problema de antecipação ou não de receitas.

16 comentários:

Lindóia disse...

Fiquei um tempo sem visitar voces aqui, e notei que entre os "comentaristas", nota-se mais e mais a invasão de alguns seguidores do Schwartsman...

Nao sei se sou o unico, mas não aguento seus comentários pseudo-stand-up comedy e suas metáforas horriveis... Falar que alguem andou "tomando o Ki-Suco petista" foi demais pra mim.

Anônimo disse...

Lindóia, não quer, não visite. Simples assim.

Bernard Herskovic disse...

Guilherme,
Bom post. Você não acha que alinhar incentivos no contrato seja uma pré-condição também? O contrato que alinha corretamente os incentivos não exige menos da justiça?

Guilherme Lichand disse...

certamente, Bernard, mas não estou bem certo de como compatibilizá-los ex-ante, principalmente nos blocos que se revelarem muito abaixo ou muito acima da expectativa no que diz respeito ao nível de reservas, ou onde os custos de extração divergiram substancialmente daqueles antecipados.

Em vários cenários o Governo desejará que a IOC extraia enquanto ela preferiria não explorar o bloco. Nesses casos a NOC, que como foi anunciado vai gerenciar todos os blocos, pode alterar condições de participação da IOC em outros blocos (principalmente porque a Petrobrás será um monopsônio da indústria de bens de capital para esse setor), gerando um problema de interação estratégica difícil de solucionar ex-ante.

Abraços

Anônimo disse...

Mudando um pouco a abordagem da discussão, de econômica para jurídica. O editorial de hoje (terça feira,08/09) do Estado de São Paulo fala sobre os problemas jurídicos do modelo de partilha proposto pelo governo. O título do Editorial é Inconstitucionalidades no pré-sal

Nina

Anônimo disse...

O editorial pode ser acessado no seguinte site: http://blogdofavre.ig.com.br/2009/09/interesse-das-empresas-estrangeiras-do-petroleo/

Nina

Guilherme Lichand disse...

Interessante, Nina, pelo que entendi a Constituição não acomoda o modelo de partilha para a extração de recursos minerais... mas como não é minha área prefiro não opinar!

Acho que as demais questões, referentes à interação entre Petrobrás e as companhias internacionais, estão bem cobertas neste post e comentários.

Anônimo disse...

O problema eh a Petrobras ter os 30% a troco de nada. Isso eh uma forma de se retornar aos tempos medievais do monopolio estatal. Como a presenca da Petrobras se torna necessaria, ela esta em posicao de extrair todos os rents.

Primeiro, isso eh absurdo em termos distributivos, afinal a Petrobras nao eh o Estado, mas sim uma empresa privada com controle estatal mas propriedade atomizada e em grande parte internacional ** incluindo alguns grandes acionistas com sobrenome famoso e escritorio overlooking the Central Park **

Segundo, eh um absurdo em termos de incentivos. Qual o incentivo para a Petrobras extrair o petroleo a custo minimo se ela esta garantida em todos os campos? Como que as IOC podem ter certeza que nao vao ser held up pela Petrobras se esta eh garantida em todos os campos?

A grande sacada do regime de concessoes eh que se a Petrobras nao colocasse a ordem em casa, ela seria derrotada nos leiloes e nao teria acesso a novas reservas. Como um passe de magica, apareceu TFP growth na Petrobras de um dia para o outro.

Obviamente, se eh algo que aumenta produtividade e forca ganhos de eficiencia, nao eh de surpreender ninguem que o PT e o sindicato dos petroleiros seja contra! E nada melhor que uma campanha eleitoral e um eleitorado semi-analfabeto para aproveitar para passar medidas anti-crescimento, pro-corporacao...

Paisinho triste, nao?

Guilherme Lichand disse...

Só não tenho muita certeza sobre toda essa virtuosidade do regime de concessão. Leilões para a exploração de recursos naturais sempre envolvem grande incerteza, e a maldição do vencedor usualmente se faz bastante presente, ainda mais quando há algumas áreas que são reservadas para exploração pela NOC (ver Engelbretch-Wiggans, Milgrom e Weber, 1982).

Diante disso, é bastante difícil desenhar um leilão capaz de extrair fração significativa do valor desses recursos. Alternativamente, o sistema de partilha alivia o risco ex-ante para as IOCs, por outro lado acrescentando um risco ex-post.

A discussão sobre adotar um modelo ou outro não é meramente política.

Anônimo disse...

Guilherme,

Voce nao entendeu... :)

A questao nao eh concessao v. partilha, isso eh um sideshow.

As questoes sao: (1) deve a Petrobras ter preferencia ou nao? (2) e como essa preferencia deve ser administrada?

Minha resposta para (1) eh nao.

Mas ainda que fosse dizer sim, dar para a Petrobras garantia de 30% em cada campo eh ressuscitar o monopolio no que este tinha de pior, a ausencia de incentivos para reducao de custos.

"O"

Diego disse...

A petrobras terá no mínimo 30%. Existe a possibilidade de contratação direta da petrobras como única no consórcio, dando uma porcentagem "x" de petróleo pré definida para a união depois que fossem tirados os custos (que serão integralmente devolvidos à petrobras por meio de cost oil).
Na "concorrência" pelas outras empresas participantes do consórcio, ganharia quem ficasse com a menor porcentagem "x" de profit oil (já que o bonus de assinatura é fixo e não será variável do leilão).
Caberá aos reguladores (sejam quem forem) avaliar:
1)Os custos da Petrobrás
2)O valor máximo de "x" em "leilão"
3)O valor de "x" razoável para contratação direta da petrobrás
4)Avaliar a necessidade de contratar uma "parceira" ou não para a exploração de uma área
etc.

Me parece risco regulatório puro! Ainda mais considerando o poder político e de lobby que tem a petrobrás. Surgem várias perguntas:
Qual incentivo da petrobras para reduzir custos?
Por que a petrobras abriria mão de uma área boa? É um problema do tipo "lemon market". Só será aberta ao público as áreas ruins. O filé mignon a petro pode conseguir, por "soberania nacional" ou "pelo bem do povo brasileiro" (vulgo lobby) só pra ela.
Como só a petro opera, caberá a suas parceiras entrar com capital e rezar pra petro não gastar muito pra sobrar óleo pra ela em quantidade condinzente, certo? Já que os custos serão conhecidos ex-post.

Eu não sou especialista na área, alias, estou ainda no 6o semestre de economia, não sou especialista em coisa nenhuma. haha. Mas estudei bastante essa área e essas perguntas surgiram para mim. Li que a regulação moderna deveria ser por incentivos no "economics of regulation" e não vi nada disso nesse marco regulatório. Muito pelo contrário. O único incentivo que vejo é o de custos da petrobrás galopantes e custos para o país pela incerteza gerada por tais custos.

Grande parte dessas perguntas nem estão definidas ainda no projeto, mas gostaria de ouvir quem entende mais na área.

Obrigado

ps: de onde sairão os royalties? Do cost oil? do Profit oil? ou do total?

Anônimo disse...

"Eu não sou especialista na área, alias, estou ainda no 6o semestre de economia, não sou especialista em coisa nenhuma. haha."

Voce esta indo muito bem para um sexto semestrista... Fazendo as perguntas certas.

Recomendo fortemente que leiam a entrevista da Dilma, a Huna, para o Financial Times de segunda-feira e cheguem a suas proprias conclusoes.

"O"

Guilherme Lichand disse...

Sim, quanto a isso estamos em total acordo: o poder conferido à Petrobrás por esse modelo regulatório é algo realmente estranho a qualquer economia de mercado.

Mantendo o foco na discussão concessão vs. partilha - ainda que talvez em segundo plano, julgo matéria interessantíssima para os interessados em leilões (aliás, a área em que os economistas mais produziram contribuições para o mundo real) -, hoje o Leonardo Rezende recomendou o artigo 'Bidding with securities: auctions and security design' (http://faculty-gsb.stanford.edu/kremer/personal_page/papers/Bidding_with_Sec.pdf). Ainda que trate de valorações independentes e não contemple a possibilidade de que o projeto tenha valor presente negativo, acho que pode trazer insights interessantes a essa discussão.

Abs

Phierus disse...

testando

Phierus disse...

testando fdapohviasp´fgapsojfaspdofjasdkasvcoaincodahcvoidasopidsahoviash

O Blogger do José Cláudio Bruno disse...

Meu comentário muito mais político do que econômico (e por isso extenso) está no meu Blog http://tioburuno.blogspot.com/2009/09/pre-sal-entre-pressa-do-governo-e.html
Acho que discutir o assunto apenas do ponto de vista da economia deixa qualquer ensaio econômico vulnerável às questões nacionais que estão em jogo.