Resolvi chutar o balde logo e colar o artigo todo do Ilan no Estadão (saiu um dia depois da entrevista do Samuel). Os pontos de vista dos dois têm muito em comum.
Dizem que o sistema de churrascaria rodízio foi inventado no Brasil, nas margens das rodovias do Sul, na década de 1960. O apelo é a ausência de limite, a não ser o da própria saciedade. É o inverso do "you can"t eat your cake and have it too", uma expressão em inglês que indica: se comer, não tem mais. No Brasil, o atual viés é comer e esperar mais, como no rodízio.
Explico. O Brasil quer investir e consumir mais, tanto no setor público como no privado. E, pelo ritmo atual, bem mais. Para que isso seja possível simultaneamente há a necessidade de financiamento externo, o que significa influxos de capital, apreciação cambial e déficits externos. Mas essas consequências são indesejadas por muitos. Colocam-se barreiras aos fluxos de capital, esperando conter a apreciação e os déficits. Mas o consumo público e privado continua sendo estimulado, o que requer os mesmos déficits que se deseja evitar.
O contexto internacional reforça esse dilema. Tudo indica que o Brasil está tendo um novo papel global. É uma economia com vista a um crescimento acelerado do seu mercado doméstico, num mundo em que o consumidor global deve retrair-se. A perspectiva de um crescimento maior do mercado doméstico abre uma nova fronteira de oportunidades para investimentos. Isso atrai novos empreendedores locais, assim como investimentos estrangeiros. Ao mesmo tempo, a riqueza internacional está em busca de oportunidades nos mercados emergentes, agora que a crise global deve pôr limites ao crescimento nas economias maduras (as elevadas dívidas públicas devem limitar o crescimento potencial e o sistema financeiro internacional mais regulado deve ter mais dificuldade em reduzir a disponibilidade de crédito - a chamada "desalavancagem"). O lado da demanda e o da oferta de recursos combinam, o que normalmente indica uma tendência.
E, nessa tendência, os déficits externos devem continuar aumentando. Com crescimento mais forte no Brasil (por exemplo, 5,5%, em 2010) e com o câmbio na faixa de R$ 1,70, o déficit deve elevar-se para 4% do PIB em dois a três anos. Uma boa parte desse déficit deve ser financiada com maiores ingressos de investimento direto (próximos de 3% do PIB). Fluxos de portfólio - para a bolsa, em emissões primárias ou não, e renda fixa - também devem continuar a entrar.
Alguns questionam se esses mesmos déficits externos irão depreciar a taxa de câmbio e aliviar esse processo de apreciação. A resposta é não, já que a existência do financiamento, que permite déficit sem depreciação, são os próprios fluxos de capital, que fazem parte intrínseca desse processo. É claro que se o cenário mudar e as perspectivas para o Brasil piorarem haverá menos fluxos, menos financiamento, mas, também, menos investimento e crescimento no Brasil.
A lógica econômica global e local não significa que não haja opções de política econômica. Uma redução do crescimento do gasto público seria uma medida que alteraria o equilíbrio macroeconômico e permitiria mudanças permanentes na taxa de câmbio (mais controle sobre o gasto público, mais espaço para as exportações, via um câmbio mais depreciado). Ou seja, uma mudança na taxa de câmbio no médio e no longo prazos depende de alteração do atual equilíbrio macroeconômico: uma economia que deseja simultaneamente aumentar o gasto público, o consumo privado e os investimentos requer poupança externa (ou seja, déficit externo). O câmbio (em termos reais) é apenas o veículo que a economia encontra para viabilizar esse déficit.
Portanto, existe, sim, a possibilidade de crescimento maior - sem déficits maiores ou câmbio mais apreciado - desde que se faça a opção política pela redução do crescimento dos gastos correntes, premiando a eficiência na provisão dos serviços públicos. É uma visão que leva em consideração o equilíbrio macroeconômico.
Mas ter essa visão não significa abdicar de intervir no mercado cambial, em qualquer circunstância. Ao contrário, bancos centrais costumam intervir no mercado, como tem sido o caso no Brasil, com uma acumulação de reservas que já alcança mais de US$ 230 bilhões. É possível acumular mais reservas (por algum tempo, depois o diferencial de juros torna o custo muito elevado). O Banco Central do Brasil pode também intervir no mercado de derivativos (por meio dos swaps cambiais), o que não tem sido o caso recentemente. O uso de fundos soberanos que acumulam reservas e permitem ao País poupar os recursos naturais (como os do pré-sal) para o futuro também é bem-vindo. Mas todos esses mecanismos são mais eficazes quando empregados simultaneamente com medidas de equilíbrio macroeconômico, como a política fiscal.
Nessa linha, mesmo medidas de controle da entrada de capitais de curto prazo não deveriam ser um dogma, desde que seus custos não ultrapassem os benefícios. Recentemente, o governo anunciou que vai recolher 2% de Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) no ingresso de capital estrangeiro para a renda fixa e, mais prejudicial, também para a renda variável no País. Sem a contrapartida fiscal, esse tipo de ação não se mostrou eficaz nem aqui nem em outros países.
Em suma, o debate sobre a apreciação cambiai reflete os conflitos que surgem neste novo contexto internacional: financiamento internacional abundante para economias que têm grande potencial de crescimento dos mercados domésticos. Isso gera influxos de capital, apreciação cambial e aumento do déficit externo. O governo batalha para evitar excessos e bolhas. Há instrumentos disponíveis (como a volta dos swaps cambiais), mas há a necessidade de reduzir o crescimento do gasto público para alterar o equilíbrio macroeconômico e permitir mudanças permanentes na taxa de câmbio.
Ilan Goldfajn, economista-chefe do Itaú Unibanco.
2 comentários:
Excelente. O Ilan é sempre muito sólido e direto ao ponto; e ele vem insistindo nessa nova posição do Brasil como consumidor de última instância no novo cenário global...
apesar do copy and paste vc pelo menos atualiza o blog...
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