terça-feira, 24 de novembro de 2009

Malandros paulistas e porcos cariocas

Meses atrás, mencionei no blog o caso da adulteração de combustível no estado de SP (veja aqui). Diante do problema disseminado de qualidade duvidosa do combustível e custos altíssimos de auditar todos os postos, sugeri transferir o problema de monitoramento para os fornecedores de combustível: a bandeira seria multada cada vez que auditorias - em número bem menor que as necessárias para induzir o comportamento de equiíbrio desejado, no caso do monitoramento individual - verificassem que o combustível não atende ao padrão definido pelas autoridades reguladoras.

Essa ideia de delegar o monitoramento subindo um nível na cadeia parece bem esperta, e tem uma série de aplicações. Hoje me veio à mente mais uma, quando li no jornal que o prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes, está bolando uma solução para o problema do lixo nas praias cariocas. O prefeito tinha inclusive proibido a venda de coco na praia. Segundo a matéria,
"(...) a Rio Branco é varrida cinco vezes por dia. Isso não existe em nenhum lugar do mundo, e a praia é outro exemplo. A população precisa ter mais educação, higiene e respeito ao espaço público. A Comlurb custa 900 milhões por ano ao governo, e o lixo coletado hoje na rua é quatro vezes mais caro do que a coleta domiciliar. Uma meta boa para a sociedade era reduzir esse gasto com lixo público - disse o prefeito. "
A medida de proibir a venda de cocos é estapafúrdia. Mas a lógica de transferir a responsabilidade para os quiosques me parece a solução vencedora. Pense comigo:

- uma solução do tipo multar cada indivíduo que atire lixo no chão me parece impraticável;

- cada barraquinha que aluga cadeiras pode ser responsabilizada pelo espaço que vai da sua barraquinha até o mar e delimitado horizontalmente pelas barracas que a ladeiam.

Nesse sentido, o problema de monitoramento é delegado (seja porque cada barraquinha terá funcionários responsáveis pela limpeza, seja porque vão monitorar os clientes para que recolham o lixo). Se a multa for estabelecida de modo a promover os incentivos corretos e houver monitoramento adequado, acredito que a praia possa ficar limpa rapidamente.

Vale lembrar que o monitoramento delegado foi exatamente a solução encontrada em São Paulo para evitar o fumo em ambientes fechados, e me parece que tem funcionado com extrema eficácia: qualquer indivíduo pode fazer uma denúncia e quem se responsabiliza é o bar/restaurante/boate/casa de shows.

No caso das barraquinhas de praia, creio que existem em número suficiente para que seja praticável monitorar sua área e não em número tão grande que seja impraticável monitorá-las. Ainda, existem incentivos para que seus donos queiram continuar realizando os lucros de estarem lá (ou que outros tomem seu lugar caso algumas decidam encerrar operações), sobretudo no verão.

7 comentários:

Augusto Vanazzi disse...

A idéia de delegação me parece interessante. O problema é que as distribuidoras incorrerão em maiores custos e certamente o repassarão para os consumidores.

Assim um efeito líquido positivo sobre bem-estar não me parece óbvio!!!


abs

Augusto Vanazzi disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Tiago Caruso disse...

Certamente, existe um problema jurídico em se delegar para as barracas, pois creio eu, elas não tem autorização jurídica para funcionarem.

Além disso, acho que o prefeito tem razão. Vivemos em uma situação de um equilíbrio ruim. Pessoas sujam muito e a conlurb limpa muito, o ideal era passarmos para fase suja-pouco-limpa-pouco, mas temo que fiquemos encalhados na suja-muito-limpa-pouco. Se bem que talvez fosse instrutivo vivermos em uma cidade emporcalhada.

Guilherme Lichand disse...

Augusto, em equilíbrio o único custo maior é o de auditoria ineficiente - dado que a estrutura de monitoramento e punições seja capaz de solucionar o problema de agência. Além disso, mesmo fora do equilíbrio, principais mais eficientes em coibir o comportamento indesejado dos agentes seriam capazes de fazer menores preços ao consumidor e ganhar mercado, de modo que não me parece imediata a ideia de transferência de custos para o consumidor.

Caruso, pensei nisso hoje pela manhã. Não se pode institucionalizar as barraquinhas? No sentido de a prefeitura montar uma estrutura mínima e registrar os atuais "varejistas" ou leiloar os espaços? Talvez haja aí espaço para ganhos maiores para o consumidor do que simplesmente praias mais limpas.

Carlitos disse...

Essa fiscalização "um nível acima" não funcionaria no caso dos postos de gasolina se a adulteração for feita individualmente em cada posto ao invés de ser realizada em um distribuidor.

No caso dos cocos, acho ótima a ideia do Eduardo Paes. Sou carioca e acho que já passou da hora de o povo do Rio passar a se responsabilizar pelas merdas que faz e parar de culpar a ineficiencia de orgaos superiores.

Guilherme Lichand disse...

"Essa fiscalização "um nível acima" não funcionaria no caso dos postos de gasolina se a adulteração for feita individualmente em cada posto ao invés de ser realizada em um distribuidor."

Anônimo, o meu ponto é precisamente que isto vai funcionar ainda que a adulteração não tenha nada a ver com o distribuidor. A questão é que ele seja punido sempre que alguém para quem ele fornece adultere o combustível, o que transfere o problema de agência do Estado para o distribuidor.

Júlio Meirellles disse...

Duas observações!!!

Quanto à qualidade da gasolina, as distribuidoras não exercem poder jurídico sobre os postos, de modo que não se pode transferir responsabilidade referente a fiscalização nos postos uma vez que juridicamente nada podem realizar. Seu argumento fica mais fraco ainda quando se sabe que boa parte dos postos são sem bandeira.

Quanto ao coco e os cariocas despreocupados com o lixo, pelo visto não conhece a praia de copacabana, só para começo de conversa, especialmente em dia de sol.

A distância entre a linha do mar e o calçadão é de mais de 40 metros pelo menos, tanto que vários eventos esportivos como futebol de area e volei de praia são disputado lá.

Depois, em dia de sol a pria fica locada e as barracas não tem poder jurídico nem capacidade econômica para definir onde cada pessoa ficará, muito menos pessoas em quantidade para vigiar 1000 ou 2000 pessoas que estariam na faixa que vc identificou como a que seria atribuída a elas para fiscalização.

Por isso não dá para comparar os bares com relação ao fumo com as barracas em relação ao lixo, pois no bar eu me encontro dele, quanto às barracas, elas é que se encontram na praia.

Pequena diferença.