sábado, 2 de janeiro de 2010

Operação da justiça e Desenvolvimento

Vou inaugurar uma linha sugerida há algum tempo, em que cada um de nós publica aqui um resumo da dissertação. Pesquiso o efeito da operação de cortes judiciais sobre empreendedorismo e investimento.

Emergiu recentemente na literatura econômica um consenso de que instituições são relevantes para explicar diferenças de renda per capita entre os países, mas ainda são pouco claros os mecanismos através dos quais essas 'regras do jogo' deveriam afetar decisões econômicas. Desenvolvo um modelo em que indivíduos escolhem sua ocupação contingente à operação das cortes numa economia. Cortes afetam a decisão ocupacional ao condicionar os estados da natureza sob os quais um contrato junto a um fornecedor de capital é observado, de modo que o retorno esperado de empreender em equilíbrio é função das dimensões de operação da justiça.

De outro lado, isso também determina o colateral ótimo exigido pelos fornecedores em equilíbrio, determinando que indivíduos são capazes de tornar-se empreendedores com base em sua riqueza inicial. Por fim, o empreendedor pode realizar um investimento específico para aumentar o valor de seu projeto independentemente do estado da natureza que emerge ex-post; esse investimento é função da medida dos estados da natureza sob os quais o contrato é observado e, pois, seu retorno apropriado pelo empreendedor.

Quatro resultados são de interesse:

(1) Custos para iniciar um negócio (startup costs / upfront payments) só são economicamente justificados quando há incompletudes contratuais em contextos nos quais o fornecedor pode ser expropriado de sua opção de fora;

(2) Quando o empreendedor pode expropriar o fornecedor nos estados da natureza sob os quais o contrato não é observado, incrementos marginais na observabilidade do contrato não necessariamente aumentam empreendedorismo, e não afetam investimento;

(3) Quando o empreendedor não pode expropriar o fornecedor nos estados da natureza sob os quais o contrato não é observado, aumentos marginais na observabilidade do contrato não afetam empreendedorismo, e aumentam investimento;

(4) Empreendedorismo e investimento decrescem com custos de acesso à justiça (custos de litígio).

Intuição de (1): o fornecedor somente exigirá colateral para o empreendedor marginal quando for inviável que este possa compensar aquele através de pagamentos ex-post pela expropriação sofrida nos estados sob os quais o contrato não é observado. Esse resultado é interessante porque mostra que a ineficiência tradicionalmente enfatizada pela literatura de escolha ocupacional e desenvolvimento (i) é na verdade função da estrutura contratual da economia, (ii) é um caso particular, mais do que caso geral dessa configuração contratual; e (iii) é apenas uma dentre outras fontes de ineficiência que não necessariamente aparecem através da estrutura ocupacional - basta ver que quando não existem cortes, mas o fornecedor tem todo o poder de barganha ex-post, não haverá exigências de colateral (pois o fornecedor não pode ser expropriado), mas o investimento específico será zero (pois o empreendedor, de outro lado, pode ser plenamente expropriado do retorno de seu investimento).

Intuição de (2): Há dois efeitos de aumentar a observabilidade do contrato sobre o empreendedor marginal. De um lado, como o fornecedor recebe pagamentos ex-post em mais estados da natureza, seria possível induzir sua participação através de um colateral menor; de outro lado, prover pagamentos ex-post agora é mais caro para o empreendedor, pois eles se realizam em expectativa em um subconjunto maior de estados. O efeito final não é claro. O investimento não é afetado porque sempre é máximo: o empreendedor expropria, logo não pode ser expropriado.


Intuição de (3): Dado que o fornecedor não pode ser expropriado, não há exigências de colateral, logo a proporção de empreendedores não é afetada marginalmente pelas cortes. Já o investimento é, uma vez que o empreendedor pode ser expropriado ex-post, e logo investirá tanto mais quanto maior a observabilidade do contrato.

Intuição de (4): Custos de litígio tornam mais difícil induzir a participação do fornecedor para um dado menu de pagamentos, além de diminuir a disposição do empreendedor de utilizar pagamentos ex-post, pois utilizar o contrato - e, pois, a tecnologia de cortes - agora é mais caro. Logo, o efeito não é ambíguo e as exigências de colateral aumentam com esses custos, reduzindo empreendedorismo. Esses custos podem crescer a ponto de desincentivar o uso da tecnologia de arbitragem das cortes, substituída por renegociação entre as partes, o que reduz investimento quando o empreendedor pode ser expropriado nos estados em que não vale o contrato.

Os resultados de (4) são então levados aos dados utilizando a experiência de redução de custos de acesso à justiça dada pelo surgimento dos Tribunais de Pequenas Causas no Brasil a partir de 1985 e posterior conversão em Juizados Especiais Cíveis, a partir de 1996 - que possuem especificamente uma câmara de negócios. Mais detalhes sobre os resultados empíricos num próximo post...

9 comentários:

"O" Anonimo disse...

Bem interessante e voce esta de parabens. Nao vejo a hora de ouvir sobre seus resultados empiricos. Que tal voce postar o paper no blog?

"O"

Theo disse...

Guilherme, use o 4shared.com ou algo do tipo caso queira publicar o artigo (draft).

Guilherme Lichand disse...

Obrigado, "O". Em breve posto sobre a parte empírica. Até gostaria de disponibilizar o paper já, mas vou precisar de mais algumas semanas para deixar tudo em ordem... aí coloco um link.

Abs

Tiago Caruso disse...

Guilherme,

fala um pouco dos resultados empíricos que eu estou mais curioso com essa parte que não conheço.
Abs e parabens.

Guilherme Lichand disse...

Theo e Caruso, algum de vocês quer ser o próximo a postar sobre a tese?

Anônimo disse...

Guilherme, o que você chama de "fornecedor de capital" seria o investidor em "venture capital" (ou capital de risco). Neste caso os termos contratuais não seriam estabelecidos previamente?

Guilherme Lichand disse...

Anônimo,

esse fornecedor pode representar vários papéis, a depender da relação econômica de interesse: uma instituição financeira numa operação de empréstimo, um fornecedor de insumos intermediários, ou até mesmo um venture capitalist como você mencionou.

Não sei se entendi bem a sua pergunta, mas a questão é justamente que o contrato é estabelecido previamente, mas emergem estados da natureza que não estavam previstos no contrato. Se esses estados forem suficientemente próximos aos contratáveis, as cortes podem não desculpar performance e consumar a relação a despeito disso (caso ao menos uma das partes prefira litígio a renegociação), caso contrário, o contrato é esvaziado e as partes renegociam.

Eduardo disse...

Guilherme, é exatamente isso. Qual a bibliografia básica que você consultou ? Alguma nacional?

Meu interesse maior é justamente sobre cláusulas contratuais ("term sheets") em venture capital. Há muitas referências no exterior mas poucas no Brasil.

Com a "Lei de Inovação", que é relativamente recente no Brasil, os institutos de pesquisa terão de estar atentos para esses fatores.

abs.

Guilherme Lichand disse...

A bibliografia básica sobre como modelar cortes é Anderlini, Postlewaite e Felli (2007). Não estou analisando como esse tipo de contrato é desenhado de fato, mas certamente seria algo bastante interessante. Meu trabalho é, se quiser assim, sobre os limites institucionais à capacidade de escrever esse contrato, e dos efeitos de fazê-lo valer mesmo sob contingências que não estavam previstas ex-ante. Aguarde algumas semanas e posto o trabalho aqui.