quinta-feira, 25 de setembro de 2008

Desenvolvimento econômico: o que (não) sabemos

As causas da riqueza das nações e das diferenças de desempenho entre os países sempre foram preocupação dos economistas, mas o que realmente sabemos até aqui?

Aprendemos que acumulação de fatores desprovida de aumento da produtividade não é capaz de sustentar crescimento de longo-prazo; que capital humano é um insumo fundamental capaz de promover retornos não-decrescentes; que o volume de P&D pode ditar diferentes dinâmicas de crescimento entre os mercados.

Mas essas são apenas causas próximas do desenvolvimento e das diferenças de renda per capita entre as nações. Porque então países não acumulam capital humano e investem no avanço tecnológico?

Os economistas elencam quatro candidatas a causas fundamentais:
(i) sorte;
(ii) geografia;
(iii) cultura; e
(iv) instituições

Países apresentam diferentes desempenhos primordialmente em função de acidentes históricos, de condicionantes geográficos (cujo papel pode ser constante ou variável no tempo), de diferentes valores/atitudes diante do sistema de incentivos, e das restrições que determinam os referidos incentivos à alocação de recursos às atividades produtivas.

Há maneiras bastante sofisticadas de confrontar cada uma dessas hipóteses (ainda que com mais dificuldade a primeira) com os dados e avaliar a maior ou menor plausibilidade de cada explicação (não necessariamente excludentes) para os diferentes resultados associados aos diferentes ambientes econômicos.

A verdade é que, ainda que tenha se construído um relativo consenso na literatura recente sobre o papel de cada uma dessas causas fundamentais, com a visão de que as diferentes instituições são diretamente responsáveis pelo desempenho contrastante de grupos de países após a Revolução Industrial, (1) ainda se entende muito pouco o canal através do qual instituições afetam desempenho (os economistas tem muita dificuldade até mesmo de definir o que são instituições, ou que restrições comportamentais ou características do ambiente de negócios são efetivamente relevantes para resultados econômicos) e (2) esses suposto sucesso no plano da teoria não tem correspondência em termos de políticas públicas.

O que pode ser sugerido para um país africano subdesenvolvido, em que mais de 50% da população se encontra abaixo da linha da pobreza e 1/3 da população tem o vírus HIV (infelizmente há mais de um candidato na mapa que preenche esses requisitos) ? Alguns argumentariam que uma receita de instituições melhores (normalmente no sentido de democratização) seria um palpite relativamente sem riscos...

Mas a importação institucional já se mostrou fadada ao fracasso em diversos contextos (Djankov, sobre as ex-economias socialistas) e não parece ser irrelevante a ordem dos fatores: Glaeser et. al mostram que ditaduras que investem em capital humano parecem ser a fonte mais prevalente de sucesso de economias subdesenvolvidas para escapar da pobreza.

O que dizer? Sabemos pouco, muito pouco.

6 comentários:

Bernard Herskovic disse...

Muito bem colocado.

Não sabemos as causas do desenvolvimento e do subdesenvolvimento, temos no máximo uma intuição sobre o assunto. Geografia, sorte, cultura e instituições são aspectos que se relacionam fortemente: geografia pode incitar determinadas atividades econômicas que usam certas estruturas produtivas que podem gerar instituições “ruins” para o crescimento de longo prazo (ex: exploração da cana no Nordeste brasileiro que teve uma estrutura latifundiária e escravista que pode ter influenciado negativamente as instituições vindouras). A diferença entre cultura e instituições está, em alguns casos, na definição (religião??), mas talvez podemos falar que a cultura influencia na formação das instituições e as instituições atuam na perpetuação da cultura. Sorte é uma explicação muito interessante no plano teórico com os seus equilíbrios múltiplos, parece fazer sentido, mas a determinação desses equilíbrios pode ser determinada por questões culturas (crenças), institucionais (incentivando ou não algum tipo de coordenação) e geográficos (podem afetar instituições). Por outro lado (Macro zero), capital humano e investimento em P&D não só representam crescimento como geram crescimento.

Ou seja, temos uma bagunça: as definições não são muito precisas, nada é verdadeiramente testável, os instrumentos usados são, em geral, questionáveis, e a contribuição para políticas públicas é quase nula. Mesmo assim, essa literatura é uma grande contribuição para começar a compreender melhor a natureza do desenvolvimento.

Outro ponto importante é a compreensão de desenvolvimento, pois desenvolvimento é visto crescimento do produto e, na verdade, é muito mais do que isso. Deveríamos pensar “desenvolvimento como liberdade” (Sen).

Tiago Caruso disse...

Concordo plenamente com a análise dos dois sobre a teoria do desenvolvimento econômico, mas discordo diametralmente quanto a não sabermos o que dizer. Ai vão alguns conselhos para a economia hipotética:

1)Garanta a segurança nacional e a de seus cidadãos.
2)Garanta direitos de propriedade e o respeito aos contratos.
3)Simplifique a abertura de novos negócios e a contratação de empregados
4)Controle a inflação.
5)Use mecanismos diretos de transmissão de renda.
6)Invista em eduacação de massas, sobretudo na educação de base.
7)Respeito a patentes funciona para quem tem paciência. Quando se têm 1/3 da população infectada pela Aids se tem pressa. Quebre patentes e permita que laboratórios locais produzam genéricos. Isso junto a programas de prevenção ajuda bastante.

Temos então 7 conselhos para esses países. Em nenhum deles se fala sobre democracia. Democracia só é relevante se temos uma concepção mais ampla de desenvolvimento como citou o Bernard.

Os 4 primeiros são tão axiomáticos que o Banco Mundial os dá a e ainda por cima faz um ranking de países segundo eles.
http://www.doingbusiness.org/

O 5º e o 6º são para aqueles que como eu acreditam que o Estado tem um papel em distribuir renda e gerar igualdade de oportunidades. O último é para o combate a Aids.

Você pode achar que isso é pouco. Mas há uma grande diferença entre não saber tudo e nada saber. No campo teórico ainda falta avançar muito, mas em matéria de políticas públicas, se os países ouvissem o que economistas dizem já seria um excelente começo.

Michel disse...

Com relação a sorte, tem um paper do Benjamin Olken mostrando o impacto que líderes têm sobre crescimento (link: econ-www.mit.edu/files/2915 , não sei se vocês já viram esse paper). As conclusões são que líderes têm impacto significante sobre países não democráticos (ou seja, menos democracia aumentaria a relevância de sorte).

Guilherme Lichand disse...

Caruso,

esses conselhos seriam ótimo se o governante desse país fosse um ditador benevolente.

Diante de situações mais reais, em que há sérias limitações às liberdades individuais mas nenhum Deng Xiaoping no poder, o único interesse de países em situação econômica crítica - muitas vezes em guerra civil - no Banco Mundial costuma ser com relação ao perdão das suas dívidas.

Ainda assim o WB gostaria de propor políticas públicas, muitas vezes com contrapartidas de financiamento de modo a produzir incentivos que possam limitar tanto quanto possível o moral hazard do incumbente. Simplesmente sugerir que sejam respeitados direitos e acumulados fatores é ignorar a diferença entre causas próximas e fundamentais: países não acumulam fatores e não investem em tecnologia porque alguém não lhes sugeriu?

Tiago Caruso disse...

Lichand,

Quando países têm ditadores que não se importam com a população, o problema não é que a teoria econômica não tem nada a dizer, mas que eles não querem escutar.

Nos casos de países em guerra civil, de novo, isso não é um problema da literatura de crescimento, é um problema de guerra. Eu até citei nas recomendações: garantir a segurança nacional e de seus cidadãos.

Se você quer aconselhar países em guerra civil, outros campos da teoria econômica são mais adequados. Um notório exemplo é a teoria dos jogos com Robert Schelling e seu livro "The Strategy of Conflict". Seu trabalho é tão contundente que lhe rendeu em prêmio nobel em economia.

Guilherme Lichand disse...

Concordo 100% com você; não é um problema da teoria econômica.

É por isso que quase tudo o que produzimos na área de desenvolvimento não tem aplicação prática alguma para entender como uma nação do mundo real poderia superar o subdesenvolvimento... (poderia no mundo real, sem as hipóteses mantenedoras de que precisamos para "provar" a maioria dos nossos resultados... nessa área do conhecimento, infelizmente, as hipóteses produzem resultados muito insatisfatórios)
porque se você olhar para a História, vai perceber, como Glaeser e co-autores, que muito do que a teoria econômica propõe não se confirma nos dados .

O trabalho do cientista é um; se há consenso no campo, os incentivos para avançar só dependem de que lado do campo você está (ver Bourdier).

O do formulador de políticas, por outro lado, ou pelo menos do pesquisador que quer informar esse policy maker, tem mais a ver com se esforçar pra entender que tipo de política pode realmente fazer sentido para que países possam superar a pobreza, reduzir a desigualdade, elevar a renda per capita, aumentar o acesso a saúde e educação.

Podemos concordar em quase tudo, mas nossas perspectivas são iminentemente diferentes. Viva o espectro.